A. Sejamos tão abrangentes quanto possível, espírito aberto até às últimas consequências. Que é como quem diz: podemos até perguntar se Chuck Todd, apresentador do programa 'Meet the Press' (NBC), não deveria ter evitado este gesto de tão intensa incredulidade face às palavras do seu convidado, Rudy Giuliani, advogado de Donald Trump.
B. Podemos, de facto, perguntá-lo. Mas não sem que explicitemos a argumentação de Giuliani na defesa do seu cliente (à qual, precisamente, antes de qualquer palavra, Todd reagiu com este gesto). Ou seja: em mais um episódio relacionado com a investigação do procurador Robert Mueller — sobre o sentido e os temas da muito polémica reunião que teve lugar, em 2016, na Trump Tower com uma advogada russa com ligações ao Kremlin [Time] —, Giuliani veio defender a "verdade" do comportamento de Trump, dizendo que... "a verdade não é a verdade" [video].
C. Não simplifiquemos: claro que também podemos, e devemos, sustentar o princípio segundo o qual uma investigação do teor da que está a ser conduzida por Mueller visa a inventariação, verificação e prova de factos verdadeiros. O certo é que, no contexto em que tudo isto acontece, marcado por muitas afirmações falsas de Trump, as palavras de Giuliani já nem sequer reflectem uma preocupação pedagógica de advogado: são a expressão pública de uma nova indiferença — e, mais do que isso, indiferenciação — que coloca as trocas sociais num espaço sem nexo nem leis. No limite, Giuliani surge como mensageiro de um novo contrato social, susceptível de ser condensado na regra que ele, implicitamente, proclama. A saber: "a mentira não é a mentira".