quarta-feira, agosto 29, 2018

"Meg" ou a crise dos tubarões

Com Meg: Tubarão Gigante, o cinema de Verão tenta reactivar as memórias heróicas de Steven Spielberg. Nada feito: o megalodonte não aguenta a comparação — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Agosto), com o título 'Um tubarão americano em tom chinês'.

Eis a mais velha estratégia de mercado (cinematográfico ou não): quando um produto mobiliza muitos consumidores, rapidamente se fabricam imitações mais ou menos inspiradas, tentando fazer valer outro princípio mercantil. A saber: o consumidor irá, por certo, tentar repetir a experiência original...
Isto para dizer que Meg: Tubarão Gigante é menos um objecto de cinema e mais um empreendimento que tenta rentabilizar as memórias desse filme prodigioso que é Tubarão (1975), de Steven Spielberg [trailer original].


Como bem sabemos, a história não é assim tão esquemática, quanto mais não seja porque, para lá das respectivas sequelas (todas elas menores), Tubarão gerou uma imensa colecção de monstros mais ou menos marinhos (quase sempre de duvidosa inspiração artística). Além do mais, não deixa de ser curioso referir que este novo produto se inspira num romance de 1997, Meg: A Novel of Deep Terror, de Steve Alten, cuja adaptação começou a ser trabalhada, logo na altura da sua publicação, pelos estúdios Disney. O projecto sofreu sucessivos adiamentos, acabando por ser concretizado, duas décadas mais tarde, com chancela da Warner Bros.
Não há muito a dizer sobre os resultados, a não ser que tudo o que aqui encontramos parece uma versão em segunda mão de modelos que outros, a começar por Spielberg, aplicaram com outra agilidade narrativa e inteligência simbólica. Desta vez, a ameaça provém de um megalodonte, monstro pré-histórico que sai das profundezas do oceano para atacar uma plataforma de investigação marítima e, depois, os banhistas da zona costeira mais próxima.
Como diz uma personagem: “Há um monstro lá fora. E está a observar-nos.” Aliás, o esquematismo dos diálogos (e o aspecto quase tosco de alguns efeitos especiais) pode levar-nos a pensar que a realização de Jon Turteltaub visa menos a construção de um filme e mais a criação de uma espécie de auto-paródia em que ninguém se leva a sério... É uma hipótese. Ainda assim, convenhamos que nem sequer a postura do herói, interpretado por Jason Statham, consegue redimir o espectáculo. Na sua gloriosa incapacidade de sugerir a mais discreta emoção, Statham tem também a seu cargo frases heróicas como aquela com que arranca para o confronto final com o tubarão: “Vou por esta coisa a sangrar!” [trailer].


Enfim, registemos apenas que, para o melhor e para o pior, o negócio das grandes empresas de cinema está mesmo a mudar. Porquê? Porque o peso dos produtores e mercados asiáticos é cada vez maior na contabilidade dos estúdios americanos. Neste caso, não só os cenários e grande parte do elenco é asiático — incluindo Bingbing Li, a muito popular actriz chinesa —, como a produção é repartida por EUA e China. Como se prova, a globalização é mesmo um facto, mas os tubarões estão em crise...