Rodagem de The Post — Steven Spielberg e Tom Hanks (ao centro), Meryl Streep (à direita) |
A publicação dos "Pentagon Papers", em 1971, é pretexto para um notável filme sobre o trabalho jornalístico, com assinatura de Steven Spielberg — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Janeiro), com o título 'Spielberg celebra o jornalismo e a exigência da verdade'.
Para além da actualidade da reflexão sobre os modos de convivência, porventura de conflito, entre imprensa e poder político, The Post é mais um filme que desmente, ponto por ponto, a noção simplista (com grande cobertura mediática) segundo a qual a produção cinematográfica americana se esgota numa colecção de aventuras de super-heróis e efeitos especiais.
Aliás, The Post pertence a uma galeria de grandes filmes políticos que os EUA produziram nos últimos anos, incluindo A Ponte dos Espiões, também de Spielberg, sobre um episódio da Guerra Fria, Detroit, de Kathryn Bigelow, evocando os motins de 1967 naquela cidade, ou Derradeira Viagem, de Richard Linklater, centrado num veterano da guerra do Vietname cujo filho, cerca de quatro décadas mais tarde, morre em combate no Iraque.
Nada disso implica qualquer negação do “star system” de Hollywood. Bem pelo contrário: ao entregar os papéis de Bradlee e Graham a Tom Hanks e Meryl Streep, respectivamente, Spielberg joga com o seu prestígio popular para nos envolver na teia de ideias e afectos decorrentes da sua prática profissional. Em particular no caso de Streep, a sua admirável composição de uma mulher com importantes poderes num mundo dominado por valores masculinos faz mais pela exaltação do factor feminino do que a histeria de muitos discursos panfletários, indiferentes à multiplicidade de factores de cada conjuntura histórica.
Estamos perante um brilhante relançamento do mais genuíno cinema liberal de Hollywood. Entenda-se: liberal não envolve, neste contexto, qualquer sentido partidário, decorrendo do empenho em discutir o lugar da verdade no interior das dinâmicas, eventualmente das contradições, de uma sociedade democrática. The Post é mesmo um filme cujos valores narrativos nos remetem para momentos emblemáticos da produção dos anos 60/70 como Sete Dias em Maio (1964), de John Frankenheimer, Três Dias do Condor (1975), de Sydney Pollack, ou Os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula. Vale a pena recordar que este filme de Pakula narra o trabalho de Carl Bernstein e Bob Woodward, também jornalistas de The Washington Post, sobre o escândalo Watergate e a subsequente queda de Nixon, em 1974 — dir-se-ia que, com quatro décadas de antecipação, Pakula realizou a sequela do filme de Spielberg.
>>> Trailer de Os Homens do Presidente.