sábado, janeiro 27, 2018

O singelo regresso do erotismo

Timothée Chalamet e Armie Hammer
Chama-me pelo Teu Nome, o belíssimo filme de Luca Guadagnino, contraria as formatações morais e mediáticas da pulsão amorosa — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Janeiro).

O novo filme do italiano Luca Guadagnino tem um título algo enigmático, Chama-me pelo Teu Nome, mas que durante a acção fica totalmente esclarecido. O amor de Elio (Timothée Chalamet) e Oliver (Armie Hammer) leva-os a expressar-se através de uma troca singela: Elio chama Elio a Oliver; Oliver chama Oliver a Elio.
Guadagnino não é um cineasta da moda. Que é como quem diz: recusa encenar a pulsão amorosa através de matrizes estritamente sexuais. Bem pelo contrário: encontramos em Chama-me pelo Teu Nome, não uma hiper-sexualização dos comportamentos humanos, antes uma metódica erotização de todos os gestos, olhares e silêncios.
E não deixa de ser significativo que o pensamento que trata a sexualidade humana a partir de padrões mais ou menos mensuráveis (“aceitáveis” ou “censuráveis”), tenha vindo a excluir do imaginário social a palavra erotismo. Porquê? Porque o erotismo é, justamente, aquilo que transcende qualquer medida do factor humano.
Georges Bataille (1897-1962) pode ajudar-nos a lidar com a perturbação de tudo isso, ele que escreveu o seu livro O Erotismo (1957) a partir de uma hipótese radical: a de o erotismo ser “uma afirmação da vida até na morte”. Não sabemos se Bataille se reconheceria num filme como Chama-me pelo Teu Nome, mas é um facto que o trabalho de Guadagnino envolve uma celebração da entrega amorosa em que a consciência da fragilidade da existência humana está sempre presente.
Daí que a aproximação dos dois homens que protagonizam o filme escape a qualquer padrão. E não apenas porque Elio e Oliver prescindem dos modelos correntes de comportamento. A sua singeleza faz também com que tudo à sua volta — da deslumbrante luz natural aos sons de Bach que Elio toca no seu piano [fragmento] — surja como elemento de desejo e deslumbramento, numa palavra, erotizado.


Se Elio e Oliver trocam de nome não é porque cada um deles passe a ver o mundo através dos olhos do outro. O que lhes acontece é menos esquemático e incomparavelmente mais perturbante: o amor do outro faz com que cada um deles já não saiba que sentido atribuir às coisas do mundo.
Por essa via, aliás, Chama-me pelo Teu Nome reafirma um romantismo inscrito na história do grande cinema italiano. Veja-se, por exemplo, o belíssimo Vaghe Stelle dell’Orsa (título internacional: Sandra) com que Luchino Visconti arrebatou o Leão de Ouro do Festival de Veneza de 1965 [trailer]. Guadagnino é um herdeiro, directo e legítimo, desse cinema em que a dimensão erótica não se dilui na pequenez do politicamente correcto.