>>> A vaga purificadora não parece conhecer limites. Além, censura-se um nu de Egon Schiele num cartaz; aqui, apela-se à retirada de um quadro de Balthus de um museu porque seria uma apologia da pedofilia; na confusão entre o homem e a obra, pede-se a interdição da retrospectiva de Roman Polanski na Cinemateca e obtém-se o adiamento da que seria consagrada a Jean-Claude Brisseau. Uma universitária avalia o filme Blow-up, de Michelangelo Antonioni, como "misógino" e "inaceitável".
Os exemplos estão aí e importa, antes do mais, expo-los na sua violência e intolerância — são exemplos de uma vaga contra a arte, contra a complexidade da natureza humana, contra o humanismo. Estas são palavras de um texto admirável, publicado por uma centena de mulheres no jornal Le Monde, chamando a atenção para os trabalhos forçados do puritanismo:
>>> É próprio do puritanismo, em nome de um suposto bem geral, apropriar-se dos argumentos da protecção das mulheres e da sua emancipação para melhor as prender a um estatuto de eternas vítimas, pobres coisinhas dominadas por demónios falocratas, como nos bons velhos tempos da bruxaria.
Entre as assinaturas do texto estão os nomes das actrizes Ingrid Caven e Catherine Deneuve, da escritora Catherine Millet e da editora Joëlle Losfeld. A sua reflexão, que importa ler na íntegra, não tem nada a ver com qualquer branqueamento de crimes sexuais, qualquer indiferença face ao crime de violação ou qualquer defesa de submissão das mulheres a ditames machistas — é normal (quer dizer, é da norma) que o burburinho "social" as queira reduzir a tal dimensão; importa, por isso, também por isso, lidar com a complexidade argumentativa das suas palavras. Sob pena de as relações humanas, sexuais ou não, passarem a ser vividas como cenas de um tribunal sem rosto, gerido pelas sanções sem recurso de uma cultura ditatorial. À suivre.
>>> Trailer de Blow-up (1966).