Hugh Jackman regressa em registo musical: O Grande Showman é uma exuberante evocação de P. T. Barnum, lendário empresário de circo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Dezembro), com o título 'Hollywood volta às delícias do grande espectáculo musical'.
Será o australiano Hugh Jackman a solução mágica para relançar o género musical de Hollywood como um registo eminentemente espectacular e, mais do que isso, tradicionalmente popular? O seu protagonismo em O Grande Showman [The Greatest Showman] justifica a pergunta — cantando e dançando, Jackman volta a dar provas de uma invulgar versatilidade ao interpretar a personagem verídica do empresário de circo P. T. Barnum (1810-1891).
Afinal de contas, muito para além da encarnação do mutante Wolverine (que regressou este ano em Logan, uma aventura de desencantada despedida), Jackman tem dado muitas provas da sua filiação nos artifícios do “entertainment”, tendo mesmo obtido uma nomeação para o Oscar de melhor actor graças à composição de Jean Valjean em Os Miseráveis (2012). Isto sem esquecer que a sua apresentação da 81ª cerimónia dos Oscars, em 2009, continua a ser reconhecida como uma das mais sofisticadas das últimas duas décadas [video].
O desafio inerente a O Grande Showman era tanto maior quanto a figura de Barnum está inscrita no imaginário “made in USA” como um dos símbolos mais puros do gosto e delícias do espectáculo. Trata-se, aliás, de uma referência que persistiu ao longo de muitas gerações. Por desconcertante ironia, a companhia de circo a que o nome de Barnum ficou associado — Ringling Bros. and Barnum & Bailey Circus — foi extinta poucos meses antes do lançamento do filme, no passado dia 21 de Maio, depois de uma existência de 146 anos (a data oficial da sua fundação é 10 de Abril de 1871).
Antes do cinema
Com música de John Debney e John Trapanese, as canções de O Grande Showman têm letras assinadas por Benj Pasek e Justin Paul, consagrados pela sua participação na banda sonora de La La Land (incluindo o tema City of Stars, premiado com um Oscar). Em qualquer caso, um dos aspectos mais surpreendentes do filme será a sua preocupação de, através da música, desenhar um fresco histórico do próprio espectáculo na sociedade americana da segunda metade do século XIX.
Barnum pode ser definido como emblema de um tempo anterior à eclosão do espectáculo cinematográfico (a primeira projecção pública de filmes, pelos irmãos Lumière, ocorreria em 1895, quatro anos depois do falecimento de Barnum). Primeiro criando uma espécie de jardim zoológico em forma de exposição teatral, depois exibindo personagens humanas com diferenças físicas mais ou menos monstruosas (“freaks”), enfim, desenvolvendo e exponenciando o conceito de espectáculo circense (incluindo a sua vocação ambulante), Barnum foi um símbolo activo de uma sociedade em que o empreendimento individual se inscrevia numa conjuntura de grandes e aceleradas transformações tecnológicas.
Filmar tudo isto sem abdicar da pompa e do delírio que o registo musical implica não era tarefa fácil. O certo é que o realizador estreante Michael Gracey, também australiano, se distingue pelo requinte da sua encenação — de alguma maneira, Gracey está a rentabilizar a experiência acumulada como especialista de efeitos visuais.
>>> Abertura da cerimónia dos Oscars em 2009.