sábado, outubro 07, 2017

Vanessa Redgrave na primeira pessoa (2/2)

SEA SORROW (2017)
Com o filme Sea Sorrow, Vanessa Redgrave propõe uma visão da situação actual dos refugiados com perguntas incómodas dirigidas, sobretudo, aos políticos do seu país. Como ela diz, importa não abdicar da intransigente defesa dos direitos humanos — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (1 Outubro), com o título '“Sinto-me furiosa quando vejo os políticos a mentir na televisão"'.

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Na década de 60, quando surgiu em filmes tão importantes como Morgan – Um Caso para Tratamento, de Karel Reisz, ou Blow-up, de Michelangelo Antonioni, será que a vida política no seu país era diferente?
Na sua origem, os problemas seriam distintos. Em qualquer caso, eu fui das primeiras pessoas a protestar contar a guerra do Vietname.

Era mais optimista?
Na verdade, quando nos envolvemos numa acção desse género, não creio que pensemos em termos de optimismo. O importante é saber o que fazer para ajudar e talvez provocar uma pequena mudança — ou uma grande mudança.

Guarda boas memórias desse tempo?
Creio que a minha memória está a desaparecer... [riso] Nessa altura nem sequer ia muito ao cinema. Nos anos 60, quando fui para Hollywood senti-me muito impressionada com a qualidade do trabalho. Participei em Camelot, de Joshua Logan, um dos derradeiros filmes dos grandes estúdios. O trabalho dos vários departamentos de produção era absolutamente incrível e isso desapareceu, para sempre.

Lamenta o fim desse cinema?
Era um cinema com características muito próprias, sem dúvida. Mas o que eu lamento é o desperdício. Mais do que lamentar, odeio o desperdício. Não quer dizer que hoje em dia eu não trabalhe com pessoas de que gosto sempre imenso: são inteligentes e promissoras, mas já não têm o mesmo conhecimento. Por exemplo, há certa coisas que os cenógrafos ou criadores de guarda-roupa já não sabem fazer... O conhecimento desapareceu, e importa dizer que também não têm o dinheiro nem o tempo para o fazer — o problema está instalado e envolve tudo isso.

Esse conhecimento está mesmo perdido?
Sei que se perdeu. E os dois ou três profissionais que ainda poderiam retomar essas tarefas não são contratados pelas principais produções. Porquê? Porque ia demorar muito tempo... Do meu ponto de vista, não seria tempo a mais.

É, portanto, uma questão de trabalho.
E, acima de tudo, de competências. Uma questão de conhecimento. É um desperdício que se observa, não apenas no cinema, mas por todo este planeta — a vida tem sido desperdiçada por todo o planeta. Precisamos todos de despertar. Claro que continuamos como se o dia de amanhã fosse necessariamente igual... Mas não é. Digo isto com ternura, não com fúria. Claro que me sinto furiosa quando vejo os políticos a mentir na televisão. E tenho a sensação que a maioria das pessoas já não acredita nos políticos — mas quem quer tomar o seu lugar?

Parece-lhe que o trabalho de informação desenvolvido em Sea Sorrow existe noutros filmes actuais?
Acontece que as notícias deviam dar... as notícias. Não é essa a responsabilidade do cinema, a não ser que se mostrasse um filme novo todos os dias. A televisão quase não dá notícias — e se alguém achar que estou errada, tenho todo o gosto em ouvi-lo.

A televisão não mostra o mundo tal como ele existe?
Por vezes, num relance, isso acontece, mas não há uma explicação do porquê. As pessoas não estão a ser educadas, os pais dos jovens de hoje não foram educados.

Nessa perspectiva, podemos dizer que o modo como Sea Sorrow lida com a actualidade não é muito frequente no cinema contemporâneo.
Talvez porque eu tenho 80 anos. Tive um ataque cardíaco há dois anos e um brilhante cirurgião grego, num hospital público inglês, salvou-me a vida. Viajo de país em país para mostrar o meu filme. Neste momento, é esta a minha prioridade. Quero fazer o que está certo e tentar ajudar. E se conseguir ajudar, sinto que a minha vida valeu a pena — é tão simples quanto isso.