segunda-feira, setembro 11, 2017

1917 — no ecrã da Cinemateca

Outubro
(1927)
O ciclo "1917 no ecrã" confronta-nos com a pluralidade de representações cinematográficas da Revolução Bolchevista — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Setembro), com o título 'A Revolução de Outubro e os seus contrastes no cinema'.

O Couraçado Potemkine
(1925)
Tempos houve em que a percepção das grandes convulsões históricas não estava dependente da avalancha quotidiana das informações televisivas (muito menos da Internet). Exemplo esclarecedor entre todos: a Revolução Bolchevista de 1917 começou por ser universalmente conhecida — e mitificada — através do cinema. O ciclo de filmes “1917 no ecrã”, a decorrer na Cinemateca, é uma excelente proposta para reavaliarmos os muitos cruzamentos da história colectiva com as narrativas cinematográficas, por vezes com o cinema a desempenhar o papel de matriz original da própria história.
A exibição de O Couraçado Potemkine (1925), de Sergei M. Eisenstein, é especialmente sugestiva das convulsões e contradições que pontuam estas memórias. Desde logo, porque o filme foi (e continua a ser) muitas vezes descrito como uma celebração épica da tomada do poder pelos comunistas em 1917. Na verdade, trata-se de uma evocação da Revolução de 1905 (tradicionalmente encarada como “prefácio” dos acontecimentos de 1917) e, mais especificamente, do levantamento dos marinheiros do Potemkine contra os seus oficiais — a sequência da escadaria de Odessa ficou como símbolo universal da inovadora montagem de Eisenstein.
O certo é que existe uma versão “alternativa” de O Couraçado Potemkine que também integra o ciclo (dia 26). Ou seja: uma cópia alemã, tendo por base uma partitura composta por Edmund Meisel, em 1926. Quando o filme foi reposto nas salas alemãs, em 1930, não só se integrou a música de Meisel, como se acrescentaram diálogos em alemão, suprimindo os intertítulos — escusado será dizer que se trata de “outro” filme, para mais projectado a 24 fotogramas por segundo (e não os 18 originais). Na mesma sessão em que passa esta raridade, será possível ver A Sexta Parte do Mundo (1926), de Dziga Vertov, título muito menos divulgado que o seu emblemático O Homem da Câmara de Filmar, produzido três anos mais tarde.

A Mãe
(1925)
Além dos clássicos 

O ciclo inclui alguns dos clássicos absolutos do período, como Outubro (1927), de Eisenstein (dias 11 e 15), este sim sobre acontecimentos de 1917 e, de alguma maneira, o derradeiro exemplo do trabalho do realizador ainda liberto das mais diversas formas de pressão e censura a que foi sujeito (vale a pena referir que as atribulações de Eisenstein, agravadas na época estalinista, se reflectem de modo singular, ao mesmo tempo trágico e irónico, no magnífico Eisenstein in Guanajuato, realizado por Peter Greenaway em 2015).
Serão também exibidos os incontornáveis A Mãe (1925), de Vsevolod Pudovkine (dia 19), e Arsenal (1929), de Aleksandr Dovjenko (dias 18 e 20). De modo esquemático, podemos dizer que neles encontramos, respectivamente, a linguagem épica e a pulsação poética do cinema soviético da época, em tudo e por tudo impossível de reduzir a qualquer paralelismo maniqueísta entre “ideologia” e “estética”.
O ciclo é, aliás, exemplarmente pedagógico pelo modo como contrapõe a esses títulos mais divulgados outros que, de facto, reflectem uma fascinante pluralidade de abordagens e linguagens. Nesta perspectiva, uma das grandes revelações será Os 26 Comissários de Baku (1932), do georgiano Nikolai Chenguelaia (dia 14), evocando os confrontos em Baku, no Azerbeijão, no início da guerra civil que se seguiu à vitória bolchevista. Como refere o programa da Cinemateca, a sua originalidade formal e a recusa do maniqueísmo político valeram-lhe na época o rótulo de “fracasso ideológico”.

O Regresso de Máximo
(1937)
Um ciclo de três meses

Com assinatura de Grigori Kozintsev e Illya Trauberg, a chamada “Trilogia de Máximo”, centrada no operário Maxim e na sua evolução (desde a luta clandestina até à tomada do Palácio de Inverno, em Outubro de 1917) pode ser tomada como símbolo paradoxal de um cinema que evolui do experimentalismo mais radical até à formatação ideológica. São títulos realizados entre 1935 e 1938: A Juventude de Máximo (dias 22 e 25), O Regresso de Máximo (dias 23 e 26) e O Quarteirão de Vyborg (dias 25 e 27).
Contemplando também as visões “exteriores” da revolução, o ciclo apresenta, para já, quinze programas, prosseguindo, com mais vinte e oito, em Outubro e Novembro. Um século depois do triunfo do comunismo e da consolidação da União Soviética, o cinema permite-nos rever a história como um turbilhão de representações e narrativas.