quinta-feira, agosto 31, 2017

St. Vincent — New York, New York

Segunda vez: depois de nos ter oferecido uma "ilustração" da sua canção New York, St. Vincent apresenta, agora, o exuberante teledisco, com realização de Alex Da Corte — o mesmo desencantado romantismo, a mesma obsessão pela intensidade das cores primárias e suas infinitas derivações.

A guerra segundo Hollywood (6/8)

O sucesso de Dunkirk relançou muitas memórias cinematográficas da guerra e, mais especificamente, do segundo conflito mundial: esta breve antologia de memórias foi publicada no Diário de Notícias (20 Agosto), sob o título genérico 'Como Hollywood tem visto a Segunda Guerra Mundial'.


1968 – DUELO NO PACÍFICO
Já não se tratava apenas de evocar os combates, mas também de construir uma parábola humanista: dois soldados, um americano (Lee Marvin), outro japonês (Toshiro Mifune), vão parar a uma ilha deserta do Pacífico, com a guerra em pano de fundo. Dirigido pelo inglês John Boorman, a crueza da sua história tem por cenário uma natureza absolutamente deslumbrante.

A IMAGEM: Clay Bennett, 2017

CLAY BENNETT
Chattanooga Times Free Press
27-08-2017

quarta-feira, agosto 30, 2017

Courtney Barnett + Kurt Vile

Os astros conjugavam-se para que a australiana Courtney Barnett e o americano Kurt Vile se pudessem entender — ambos de espírito independente, ela mais tocada pela crueza grunge, ele mais influenciado pelas memórias folk. Na verdade, sucessivos encontros em diversos concertos deram origem a uma amizade da qual nasceu Lotta Sea Lice, álbum que deverá chegar às lojas em Outubro. O cartão de visita aí está, a preto e branco, numa bela troca de olhares (e vozes) em cenários de crescente nostalgia paisagística — chama-se Over Everything e o teledisco tem assinatura de Danny Cohen.

"Dream. On." — um poema de Jay-Z

Não exactamente uma canção. Porventura um esboço de teledisco. Em qualquer caso, Jay-Z tem um novo poema [criado para o Made in America Festival], peça de tocante singeleza, envolvendo memórias remotas e uma delicada articulação entre o dramatismo das palavras e o fluxo das imagens — chama-se Dream. On., diz-se e vê-se assim:

Yeah
I'm from where dreamin' ain't allowed
'Specially when you're dreamin' aloud
Enough to dream your self-esteem into clouds
It takes tears, sweat, blood, 5 CCs
'Cause I know what a kid in apartment 5C seed
Heaven knows, all I had was hella hope
Speed datin' with destiny, I couldn't tell her nope
When I first saw stars, television was my telescope
For me, somethin' that could see me free was a bar
Threw diamonds in the sky that never came down, now that's a star
My vision was big enough to get me out of the space
I wanted to pass how far I see
I wondered, could a kid from Mars see a kid from Marcy?
For things that are seen are temperal
The most beautiful things are invisible
Roc Nation, indivisible
American dream team
Paper planes turned into the real thing
You are whatever you say you are
Turn any situation around
Who. Are. You?

Robert De Niro & Michelle Pfeiffer

A saga financeira de Bernie Madoff surge, agora, tratada num magnífico (tele)filme — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Agosto), com o título 'A verdade de Bernie Madoff'.

Nenhuma visão “purista” dos filmes nos pode ajudar a compreender o que está a acontecer no território do audiovisual. Dito de outro modo: algum do melhor cinema está agora na televisão — mesmo que a sua identidade se apresente recoberta pelos rótulos tradicionais de “telefilme”, “mini-série”, etc.
Aí temos o exemplo de The Wizard of Lies, produção da HBO realizada por Barry Levinson (Diner, Rain Man, Bugsy, etc.), a passar na televisão por cabo (TVCine & Séries) com o título Madoff: Teia de Mentiras. Trata-se de um relato da gigantesca fraude financeira de Bernie Madoff, a partir dos primeiros anos da década de 1990, acabando por sonegar 65 mil milhões de dólares aos seus clientes; descoberto em finais de 2008, Madoff foi condenado a 150 anos de prisão (tem actualmente 79 anos).
O filme baseia-se no livro The Wizard of Lies: Bernie Madoff and the Death of Trust (Times Books, 2011), de Diana B. Henriques, resultante de uma investigação que incluiu algumas conversas na prisão com Madoff. Aliás, num discreto golpe de génio, Levinson convidou a autora para interpretar o seu próprio papel face a Robert De Niro, o actor que compõe a personagem de Madoff.
Bernard Madoff
A presença de Diana B. Henriques não desqualifica as notáveis qualidades de um elenco que inclui Michelle Pfeiffer (Ruth, mulher de Bernie), Alessandro Nivola e Nathan Darrow (os filhos do casal), e ainda Hank Azaria (Frank DiPascali, o homem que ajudou Madoff a montar e gerir a fraude, com o desconhecimento da família). Em todo o caso, tal presença é sintomática do grau de verosimilhança que aqui se procura: trata-se de superar qualquer esquematismo moral ou mediático, procurando a pulsação mais íntima dos factos.
Não se julgue que tal projecto narrativo banaliza a monstruosidade do esquema de Madoff, muito menos os seus efeitos devastadores na vida de muitos cidadãos. O filme não procura, nem de longe nem perto, branquear os crimes em questão (e tanto mais quanto, desde a abertura do seu julgamento, Madoff se reconheceu culpado de todos eles). Acontece que Madoff: Teia de Mentiras não exclui o facto de, em 2008, os ecos públicos do escândalo Madoff terem servido também como cortina de fumo lançada sobre a crise financeira internacional e as suas raízes em Wall Street.
No limite, há em tudo isto uma verdade visceral, incómoda entre todas: são os movimentos de dinheiro que determinam (quase) todas as acções humanas. O seu reconhecimento valoriza ainda mais a intensidade das emoções que perpassam no filme de Levinson.

terça-feira, agosto 29, 2017

"Moving in Stereo" [canções]

The Cars
Moving in Stereo
The Cars (1978)


Taylor Swift ou o vazio da comunicação

Revelado nos cada vez mais retóricos prémios MTV, o teledisco de Look What You Made Me Do (tema do álbum Reputation, a lançar em Novembro) é uma tentativa esforçada, tão esforçada que roça o patético, de apresentar Taylor Swift como uma artista de todos os recursos e todas as invenções — dos filmes de zombies à imitação (?) das coreografias de Beyoncé, há de tudo um pouco, como se nem o realizador Joseph Kahn nem ninguém soubesse o que fazer para vender a imagem da sua vedeta.
Assim se agrava o bloqueio criativo já detectável, no arranque de 2016, em Out of the Woods e, antes, em Bad Blood. A canção, convenhamos, não ajuda muito, de tal modo se apresenta como uma variação mega-produzida (leia-se: sem sensibilidade nem pensamento) daquilo que as Spice Girls fizeram há vinte anos, com outra simplicidade e alegria. Estamos perante um exemplo de hiper-comunicação que, de facto, já não trabalha a não ser para disfarçar o seu trágico vazio interior — isto para não evocarmos em vão o nome de coisas mais materiais.
No universo mínimo (nada a ver com minimalista) de Taylor Swift, o "segredo" está em acumular sugestões e situações que, de alguma maneira, remetam para o historial comercial, mediático e "social" da própria protagonista (o que, há que reconhecê-lo, pode dar origem a curiosos relatórios jornalísticos). No final do teledisco, num gesto de desesperada auto-ironia, a intérprete assume perante a câmara todas as "personagens" que interpretou, com a mais "realista" empunhando um prémio da MTV e debitando esta frase exemplar: "Gostaria muito de ser excluída desta narrativa" — é um bom gag, infantilmente brechtiano, sobretudo se o interpretarmos como uma angustiada confissão realista.

segunda-feira, agosto 28, 2017

A guerra segundo Hollywood (5/8)

O sucesso de Dunkirk relançou muitas memórias cinematográficas da guerra e, mais especificamente, do segundo conflito mundial: esta breve antologia de memórias foi publicada no Diário de Notícias (20 Agosto), sob o título genérico 'Como Hollywood tem visto a Segunda Guerra Mundial'.


1963 – A GRANDE EVASÃO
Ao longo da década de 60, vários títulos de sucesso encenaram a guerra como uma grande aventura, segundo o modelo inaugurado por Os Canhões de Navarone (1961). Neste caso, o realizador John Sturges relata a fuga de um grupo de prisioneiros britânicos de um campo alemão — Steve McQueen, na sua moto Triumph TR6 Trophy (adaptada), tem aqui uma das suas imagens mais icónicas.

Mireille Darc (1938 - 2017)

Actriz muito popular do cinema francês nos anos 60/70, entrou para a história mitológica da cinefilia graças a Fim de Semana (1967), de Jean-Luc Godard: há alguns anos fragilizada devido a problemas cardíacos, Mireille Darc faleceu no dia 28 de Agosto — contava 79 anos.
Com uma sólida formação teatral, adquirida no Conservatório de Toulon (onde nasceu), Mireille Darc terá tido uma carreira em que raras vezes pôde rentabilizar as suas qualidades de representação. Foi uma presença ligeira, de alegria contagiante, em comédias como Casamento a Propósito (1963), com Louis de Funès, Sua Exa. o Mordomo (1964), com Jean Gabin, e sobretudo O Louro do Sapato Preto (1972), porventura o seu maior sucesso, contracenando com Pierre Richard sob a direcção do argumentista/realizador Yves Robert.
Seja como for, é Fim de Semana que se distingue (e a distingue) de tudo o resto: na companhia de Jean Yanne, definia um par em violenta crise conjugal que Godard encenava nos cenários surreais de uma França apocalíptica, isto é, decomposta pelos valores da sociedade de consumo [trailer]. Muito afectada por problemas de saúde, a partir dos anos 90 dedicou-se sobretudo à realização de emissões televisivas sobre temas humanitários. Em 2008, publicou a autobiografia Mon Père, com a colaboração de Lionel Duroy.


>>> Obituário no jornal Le Monde.

Prince & Batman

Os telediscos de Prince continuam a (re)aparecer na Net. E o menos que se pode dizer é que, mesmo não esquecendo o muito que ele resistiu a tal divulgação, a sua circulação apenas tem servido para reafirmar o seu génio. Será que poderia ser de outra maneira?...
Aí estão, então, Batdance e Partyman, ambos da banda sonora do Batman (1989), de Tim Burton, o filme que inaugurou a era moderna do Homem Morcego no cinema. A sua energia funk, encenada através de uma espantosa energia orquestral, corresponde a um tempo de prodigiosa criatividade — mais concretamente, depois de Lovesexy (1988), antes de Graffiti Bridge (1990). Com direcção de Albert Magnoli e coreografia de Barry Lather, os telediscos são também um exemplo modelar de figuração "roubada" à iconografia de Batman — citação e apropriação, eis a questão.



Música de "Detroit"

O novo filme de Kathryn Bigelow, Detroit, é um dos títulos mais aguardados da nova temporada — chegará aos ecrãs portugueses a 14 de Setembro. Evocando os motins que abalaram a cidade de Detroit a 23 de Julho de 1967, apresenta uma banda sonora fortemente marcada por referências da época (Martha and the Vandellas, Marvin Gaye, The Devotions, etc.). Entre os novos temas, há peças instrumentais de James Newton Howard e uma magnífica canção de The Roots, com Bilal — chama-se It Ain't Fair e foi interpretada, num misto de contenção e imponência, no programa de Jimmy Fallon, The Tonight Show (em que The Roots são a banda residente).

domingo, agosto 27, 2017

Tobe Hooper (1943 - 2017)

[Entrevista Interview, 2014]
Ao realizar Massacre no Texas (1974), entrou na história e também na lenda do cinema de terror: o cineasta americano Tobe Hooper faleceu no dia 26 de Agosto em Sherman Oaks, California — contava 74 anos.
Dir-se-ia que foi o cineasta de um único filme. Na verdade, a originalidade formal, a sofisticação de mise en scène e os ecos simbólicos de uma América ferida pelos traumas do Vietname transformaram Massacre no Texas (título original: The Texas Chainsaw Massacre) em bandeira de um cinema de terror produzido com reduzidos orçamentos — neste caso, 300 mil dólares de investimento geraram 30 milhões de receitas. Depois, a sua passagem por Hollywood, iniciada com Poltergeist (1982), produzido por Steven Spielberg, foi tão fulgurante quanto efémera — rezam algumas crónicas que Spielberg terá interferido com insistência no seu trabalho de realização. Depois de ter feito a sequela Massacre no Texas 2, lançada em 1986, foi-se desenvolvendo uma "franchise" com derivações do filme original — a próxima, Leatherface, terá um destino mais ou menos discreto, já que está anunciada para lançamento nos EUA, ainda em 2017, nos clubes de video digitais.
Entre os seus títulos mais interessantes incluem-se ainda Lifeforce - As Forças do Universo (1985), compromisso hábil entre ficção científica e filme de vampiros, e Combustão Espontânea (1990), com Brad Dourif, história assombrada e assombrosa de um ser humano que sofre os efeitos do facto de os pais, ainda antes do seu nascimento, terem sido sujeitos a experiências com a energia nuclear. Em 2011, publicou o romance Midnight Movie. Em 2014, em Cannes, a Quinzena dos Realizadores homenageou-o com a passagem da cópia restaurada de Massacre no Texas.

>>> Trailers originais de Massacre no Texas e Combustão Espontânea.




>>> Obituário: The A.V. Club + Libération.
>>> Sobre a "franchise" The Texas Chainsaw Massacre.

A guerra segundo Hollywood (4/8)

O sucesso de Dunkirk relançou muitas memórias cinematográficas da guerra e, mais especificamente, do segundo conflito mundial: esta breve antologia de memórias foi publicada no Diário de Notícias (20 Agosto), sob o título genérico 'Como Hollywood tem visto a Segunda Guerra Mundial'.


1962 – O DIA MAIS LONGO
Para muitos espectadores nascidos nos anos finais ou depois da guerra, este foi um dos primeiros grandes espectáculos evocando a guerra, mais precisamente o desembarque dos aliados na Normandia. Produzido por Darryl F. Zanuck, é uma colagem de episódios, cada um deles protagonizado por uma vedeta: John Wayne, Henry Fonda, Robert Mitchum, etc.

sábado, agosto 26, 2017

Aldous Harding — variações góticas

De uma só vez exuberante e minimalista, a música da neozelandesa Aldous Harding tem sido descrita como um fenómeno gótico mais ou menos devedor da tradição folk. É, sem dúvida, uma maneira sugestiva de resumir as singularidades de um universo que, com elaborado pudor, apela à silenciosa prospecção do ouvinte.
Em boa verdade, tudo isso está bem visível no misto de convicção e drama com que ela interpreta as suas canções. A prova: este magnífico 'Tiny Desk Concert', na rádio pública dos EUA [leia-se também o texto de Bob Boilen: NPR], com três canções de Party [capa], o seu segundo álbum de originais lançado em Maio de 2017.

A América de Paul Schrader

Paul Schrader
Foi você que disse Paul Schrader?... O argumentista de Taxi Driver já não é uma figura querida do mercado, mas continua a fazer grandes filmes (de pequenos orçamentos) — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Agosto), com o título 'Paul Schrader assina “thriller” à moda antiga'.

É bem provável que o novo filme de Paul Schrader, Como Cães Selvagens [título original: Dog Eat Dog], se transforme em título obrigatório da programação de muitos cineclubes e associações culturais. Entretanto, a sua estreia acontece de forma ultra-discreta num mercado que, decididamente, no plano das promoções, quase só investe de forma clara nos “blockbusters” que os estúdios americanos produzem para a chamada temporada de Verão.
Há nisto um absurdo que envolve um cruel paradoxo. De facto, Como Cães Selvagens não é, nem de longe nem de perto, um filme esotérico que possa atrair a classificação pejorativa de “intelectual” (convém não esquecer que vivemos num país em que, no cinema e não só, o adjectivo “intelectual” continua a ser aplicado como forma de insulto). Nada disso. Estamos mesmo perante um daqueles “thrillers” de acção electrizante, com sangue, drogas e tragédia q. b., muito à maneira da mais tradicional produção de série B que os EUA geraram sobretudo nas décadas de 50/60. Acontece que Schrader, além de ser um dos mais legítimos herdeiros de tal tradição, é também um dos mais talentosos a aplicar as suas matrizes — a par, por exemplo, de Martin Scorsese (referência que, como veremos, não tem nada de acidental).
Como Cães Selvagens é a história, à moda antiga, de três ex-prisioneiros pouco recomendáveis. Troy e Mad Dog, interpretados, respectivamente, por Nicolas Cage e Willem Dafoe, confundem-se com os seus próprios fantasmas: o primeiro na ressaca de um período na prisão que baralhou todos os seus planos de reintegração social; o segundo vivendo a sua dependência da heroína através de acções de incrível brutalidade. Convocados por um chefe mafioso interpretado pelo próprio Schrader (ficam em aberto todas as ironias simbólicas...), Troy e Mad Dog juntam-se a um gigante de força a que chamam Diesel (Christopher Matthew Cook) com o objectivo de consumar um rapto para pedir um resgate...
Para simplificar, e também para não anular o prazer da descoberta pelo leitor/espectador, digamos apenas que as coisas não correm bem... E aquilo que poderia ser uma colagem de peripécias mais ou menos previsíveis de uma vulgar série televisiva, transfigura-se numa convulsiva e perturbante odisseia moral. Primeiro, porque Schrader sabe encenar cada momento como um teatro entre a vida e a morte, aplicando a sua câmara como um bisturi do submundo — veja-se a espantosa sequência nocturna entre Cage e Dafoe (ambos magníficos) que desemboca num diálogo tenso num salão de bilhar. Depois, porque este é um genuíno cinema de desmontagem das ilusões do quotidiano, expondo uma América visceral, ferida nas suas convicções, mas ainda habitada pela miragem de uma utopia redentora.

Taxi Driver & etc.

Redenção, justamente. Eis um tema fulcral da notável filmografia de Schrader. Será preciso recordar que o seu nome ganhou reconhecimento no mundo da cinefilia como argumentista de Taxi Driver (1976), de Scorsese? E que alguns dos seus títulos mais célebres como argumentista/realizador encenam personagens assombradas por “missões” que os ultrapassam? Como Richard Gere, no labirinto mercantil do sexo, em American Gigolo (1980). Ou Nastassja Kinski, entre as leis da razão e a pulsão animal, em A Felina (1982). Isto sem esquecer que Schrader voltou a trabalhar para Scorsese, escrevendo A Última Tentação de Cristo (1988) — com o mesmo Willem Dafoe que, agora, compõe o letal Mad Dog.
Encurtando a história de tão notável criador, fiquemo-nos por esta constatação: tendo perdido o apoio dos grandes estúdios (e também não encaixando nos estereótipos mais vendáveis do autor independente), Schrader tem-se mantido em actividade através de filmes de pequena produção, mais ou menos ignorados pelos mercados. Recordemos os exemplos brilhantes de Auto Focus (2002), com Greg Kinnear a interpretar a figura verídica de Bob Crane, figura das margens do cinema e da rádio, e The Canyons (2013), escrito por Bret Easton Ellis e protagonizado por Lindsay Lohan, sobre os bastidores da produção de filmes pornográficos — entre nós, foram ignorados pelas salas, tendo seguido directamente (e discretamente) para DVD.
Aos 71 anos de idade (nasceu a 22 de Julho de 1946, em Grand Rapids, Michigan), Schrader é, afinal, um dos grandes individualistas do actual cinema americano. A sua visão eminentemente crítica do “American Dream” envolve também a revalorização de narrativas ligadas a um frondoso património literário e cinematográfico. No caso de Como Cães Selvagens, tem como inspiração um romance de Edward Bunker (1933-2005), também actor de cinema, cuja obra terá sido uma forma de redenção da sua agitada existência criminal. Resta dizer que, embora chegando-nos de forma discreta, o filme foi um dos grandes acontecimentos da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes de 2016.

King Krule — quatro anos depois...

King Krule foi uma das mais notáveis revelações de 2013 (tinha 19 anos). Depois, é verdade que não deixou de estar envolvido em diversos projectos [notícia: Stereogum], mas o certo é que não voltámos a encontrá-lo como protagonista da sua invulgar energia criativa... Pois bem, valeu a pena esperar quatro anos: aí está Czech One, cartão de visita de um novo single, para mais servido por um belo teledisco de Frank Lebon — uma viagem de serenos assombramentos para uma canção de crua e paradoxal solidão.

The train’s motion
Untidy echo
And she pants

She asked me why I’m here but I come here every night
Do you need to tell her something? No I need a place to write
And as the sea of darkness forms and casts us into night
You ask me what her name was called but I found it hard to write
One time I was impaled forlorn and thrown into a pile
I said you know where I’m coming from and she looked me in the eye
Loverboy you drown too quick
You’re fading out of sight

Is it the numb density? Can’t even look her in the eye
Where tiny men have been absorbed for questioning the sky
To when and where the stars were formed, that glance upon this night
Lightyears to sit upon and paint us as we lie
And to think it’s us she’s wasted on, can’t even look her in the eye

See I’ve found a new place to mourn, she asked me who died
Well if there’s a dark uniform, I need a place to hide
As simple as his faith had gone, the burning of the spire
And yet he still searched for warmth but it was cold by the fire

She grips me tight, she grips me tight
But I still rip at the seams
I can’t sleep at night, never slept at night
But she still sits in my dreams
I’m out of sight, so out of sight
But she sees what I see, she’s watching me

She’s still watching me
She still sees what I see
The train’s motion
Untidy echo

sexta-feira, agosto 25, 2017

A herança da Condessa de Ségur

de Christophe Honoré
[DN, 24-08-2017]

Em época de sobrevalorização de desenhos animados digitais, quem se lembraria de regressar ao século XIX para propor uma festiva versão da obra da Condessa de Ségur? Pois bem, o francês Christophe Honoré que, no seu filme anterior, Metamorfoses (2014), convocara referências ainda mais remotas, adaptando Ovídio.
O retrato da pequena Sofia, interpretada pela exemplarmente bem disposta Caroline Grant, impõe-se como símbolo de um cinema que (ainda) acredita na presença física dos actores e na possibilidade de integrar um artifício de desconcertante primitivismo técnico — observe-se a breve, mas sedutora, figuração dos animais através do recurso a uma animação clássica. Tudo isto sem perder os sabores do conto moral sobre a ordem dos adultos face à desordem da infância. Ainda há filmes felizes.

"Serei gay?" [citação]


JOSÉ BANDEIRA
DN, 25 Agosto 2017
[clicar na imagem, para ampliar]

A guerra segundo Hollywood (3/8)

O sucesso de Dunkirk relançou muitas memórias cinematográficas da guerra e, mais especificamente, do segundo conflito mundial: esta breve antologia de memórias foi publicada no Diário de Notícias (20 Agosto), sob o título genérico 'Como Hollywood tem visto a Segunda Guerra Mundial'.


1945 – HOMENS PARA QUEIMAR
Com John Wayner, Donna Reed, Ward Bond e Robert Montgomery, este é um dos vários exemplos da visão da guerra por John Ford, um dos autores mais influentes na definição das regras do clássico “filme de guerra”. Trata-se, aqui, de evocar a odisseia de uma unidade marítima de combate, durante a batalha das Filipinas.

quinta-feira, agosto 24, 2017

Sobre Jerry Lewis [citação]

Jim Carrey [THE TRUMAN SHOW, 1998]
>>> Há quem possa rejeitar Jerry [Lewis] como alguém que fazia de bobo. Mas há uma coisa que importa dizer sobre o bobo: não é um idiota. A coragem e a liberdade do bobo libertam-nos. O bobo diz a verdade, ao mesmo tempo brincando com a nossa arrogância e as nossas ideias convencionais. Mostra-nos como somos, e era isso o que Jerry fazia. Ele era uma bênção.

JIM CARREY
in Time (23-08-2017)

John Abercrombie (1944 - 2017)

Guitarrista de jazz, também compositor, versátil e inventivo, o americano John Abercrombie faleceu em Cortlandt Manor, Nova Iorque, devido a problemas cardíacos — contava 72 anos.
Com uma imensa discografia, como líder ou associado a nomes como Gil Evans, Gato Barbieri, Paul Bley, Jack DeJohnette e Kenny Wheeler, Abercrombie manteve uma relação de mais de quatro décadas com a editora ECM, iniciada com o álbum Timeless (1974). Formou um quarteto com Richie Beirach (piano), George Mraz (contrabaixo) e Peter Donald (bateria) que, em poucos anos, produziu três álbuns magníficos: Arcade (1978), Abercrombie Quartet (1979) e M (1980) – seriam relançados em 2015 numa caixa intitulada The First Quartet. A partir daí, foi abrindo a sua música a crescentes formas de fusão e experimentação: ele próprio gostava de dizer que a sua relação com a "tradição" da guitarra no jazz não o inibia de tentar ultrapassar as mais convencionais "fronteiras" musicais. Com o seu actual quarteto — Marc Copland (piano), Drew Gress (contrabaixo) e Joey Baron (bateria) — lançou Up and Coming no passado mês de Janeiro.

>>> Flipside, tema do álbum Up and Coming (2017) + registo ao vivo de The Gateway Trio — com Dave Holland (contrabaixo) e Jack DeJohnette (bateria, piano) —, interpretando Homecoming, do álbum homónimo, lançado em 1995.




>>> Obituário no New York Times.

quarta-feira, agosto 23, 2017

Na encruzilhada da Porto Editora

1. Na sequência das discussões públicas surgidas em torno de duas edições de "Blocos de Actividades", uma "para meninas", outra "para rapazes", a Porto Editora suspendeu a respectiva venda, manifestando em comunicado a sua disponibilidade democrática para analisar a situação: " (...) a Porto Editora reafirma que as edições em causa não foram trabalhadas sob qualquer perspetiva discriminatória ou preconceituosa, a qual é absolutamente contrária aos valores que norteiam a sua atividade editorial desde sempre."

2. Na candura com que enfrentou esta encruzilhada cultural e comercial, a Porto Editora acaba por contribuir, inadvertidamente, para reforçar o primarismo pedagógico e a cegueira biológica que puseram em marcha esta campanha contra tão castas edições.

3. Vivemos num país em que os olhos e os ouvidos das crianças são todos os dias agredidos por modelos formatados que estiolam a sua imaginação narrativa (telenovela) ou pervertem qualquer saudável educação sexual (reality TV). Em todo o caso, há décadas — sublinho: décadas — que não ouvimos um pedagogo, muito menos um político, a levantar a mais tímida dúvida sobre o matraquear quotidiano de tais objectos. Seja como for, uns caderninhos azuis, outros cor de rosa, são motivo duma agitação completamente deslocada.

4. Não se pede aos nossos pedagogos e políticos que conheçam a obra de Camille Paglia, em particular a sua desmontagem dos fundamentalismos feministas e outros que têm contribuído para esquecer que, de facto, existem sexos e diferenças sexuais (leia-se o recente Free Women, Free Men) — até porque, sejamos claros, Paglia será tudo o que cada um entender, menos uma personalidade para gerar consensos. Em qualquer caso, mais de um século depois de Sigmund Freud ter publicado os seus Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, a liofilização daquelas diferenças tende a reduzir a sexualidade humana — infantil ou não — a uma espécie de programa abstracto que podemos gerir com um "like" ou um "dislike", à maneira do Facebook.

5. A importância social, cultural e simbólica da defesa da igualdade de géneros surge, assim, diminuída. Porquê? Porque se transforma (em nome de quê?) num douto policiamento dos comportamentos, no limite como se cada criança fosse um projecto de identidade (gerido pelos adultos) que pode ser pensado como "liberto" das diferenças sexuais. Assistimos, assim, ao reforço de uma visão de histérico proteccionismo das crianças — corremos o risco de não as deixarmos viver, ignorando-as como seres de muitas diferenças, por fim olhando-as e tratando-as apenas como vítimas. De quê? Do sexo e dos malignos blocos de actividades.

A guerra segundo Hollywood (2/8)

O sucesso de Dunkirk relançou muitas memórias cinematográficas da guerra e, mais especificamente, do segundo conflito mundial: esta breve antologia de memórias foi publicada no Diário de Notícias (20 Agosto), sob o título genérico 'Como Hollywood tem visto a Segunda Guerra Mundial'.


1942 – A FAMÍLIA MINIVER
Simbolicamente, este retrato de uma família inglesa afectada pelo início dos combates na Europa, realizado por William Wyler, é o filme que inaugura o tratamento da guerra por Hollywood. Rodado antes do ataque a Pearl Harbor, em Dezembro de 1941, seria lançado no Verão de 1942, transformando-se em bandeira de resistência — ganhou seis Oscars, incluindo o de melhor filme do ano.

"Material Girl" em novo DVD

É um dos emblemas do universo de Madonna: Material Girl foi também, durante algum tempo, uma canção que ela excluiu dos seus concertos, porventura com receio das leituras "moralmente correctas". Vencido esse complexo, Material Girl integrou a 'Rebel Heart Tour' e, agora, emerge como primeiro cartão de apresentação do DVD da digressão — lançamento a 15 de Setembro.

"Largo mulher e filhos
e de joelhos vou te seguir"

1. A notícia é conhecida: um tema novo de Chico Buarque, Tua Cantiga, tem sido objecto de muitas condenações, em particular de acusações de machismo, com especial intensidade nas chamadas "redes sociais", devido a um fragmento da sua letra [O Globo]. A saber:

Quando teu coração suplicar
Ou quando teu capricho exigir
Largo mulher e filhos e de joelhos vou te seguir.

2. Para resumir, lembro apenas que, paralelamente a tão triste simplismo, nem tudo é um deserto de ideias. Assim, têm proliferado também as manifestações de solidariedade com o veterano artista brasileiro. E acrescento que me incluo entre aqueles que, através de tal solidariedade, consideram esta polémica (?) um triste exemplo da mediocridade humana que encontrou acolhimento — e uma sinistra câmara de eco — nesses espaços "sociais".

3. Em todo o caso, peço licença para contrapor uma visão diferente da que encontrei expressa em muitos discursos de apoio a Chico Buarque. Ou seja: quando se considera que a condenação de Tua Cantiga decorre de um pensamento anquilosado sobre a criação artística e as relações homens/mulheres, creio que se passa ao lado do problema.

4. Porquê? Porque não há pensamento.

5. Considero mesmo que o poder crescente, e crescentemente assustador, deste tipo de utilização das "redes sociais" sai todos os dias reforçado quando, nem que seja por distracção, as suas práticas são encaradas e tratadas em termos de confronto de pensamento.

6. A maioria dos discursos que circulam em tais plataformas ignora o conceito de confronto — a única coisa que tais discursos procuram é o conflito.

7. Assistimos mesmo à insidiosa instalação da ideia (?) segundo a qual o "social" só se manifesta — em última instância, só existe — se for conflitual.

8. Face ao discurso poético de Chico Buarque, o único efeito que se procura é o estabelecimento de alguma ligação (um link, sem dúvida) que possa gerar conflito e multiplicar-se de forma viral. Os "autores" de semelhantes proezas são mesmo incensados, não pelo pensamento que enunciam, apenas porque as suas "intervenções" se podem quantificar em links, likes ou qualquer outra medida pueril, alheia a qualquer tipo de responsabilidade social.

9. Escusado será dizer que, num espaço "social" desta natureza, lavra uma desmesurada ignorância sobre as especificidades do discurso artístico — que, aliás, se apoia num desconhecimento total de quaisquer referências históricas das práticas artísticas.

10. Fomos condenados a viver com isto. Podemos, em todo o caso, ver e escutar Chico Buarque a cantar Tua Cantiga. Nada nos impede disso — ainda não.

terça-feira, agosto 22, 2017

Aqui e algures com Régis Debray

O mais recente livro de Régis Debray tenta pensar o nosso devir americano no interior de uma nova civilização de lugares virtuais — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Agosto).

O novo livro de Régis Debray, Civilisation (ed. Gallimard), tem um subtítulo eloquente — “Como nos tornámos americanos” — que, em todo o caso, convém não reduzir a uma oposição simplista entre “prós” e “contras”. Não se trata de desistir da Europa, mas de não esquecer que “a Europa não terá tido a política do seu pensamento”. Comentário à burocracia de Bruxelas? Não. Antes uma citação das Notas sobre a Grandeza e a Decadência da Europa, escritas por Paul Valéry em... 1931.
O livro ajuda-nos a perceber que uma cultura, por mais enraizada num território, não é uma barreira automática aos avanços de uma civilização — a história ensina-nos mesmo que há civilizações que avançam, preservando as componentes culturais dos territórios que conquistam.
Régis Debray
Neste mundo de “portáteis e fibra óptica”, aquilo que mudou foi o próprio território. Primeiro, porque o império das imagens se tornou omnipotente e omnipresente — há mesmo milhões de pessoas que, através de Facebook ou Instagram, consideram “normal” partilhar com o planeta as imagens do seu mundo privado (desse modo contribuindo para o enfraquecimento político do próprio conceito de privacidade). Depois, porque, por Skype ou qualquer outros aparato virtual (incluindo o directo televisivo), foi anulada a distância física entre o lugar que cada um ocupa e o lugar do seu semelhante. Na prática, apagou-se a diferença simbólica entre o estar aqui e o responder algures.
“Aqui e Algures” (Ici et Ailleurs) é, justamente, o título de um filme de Jean-Luc Godard, concluído em 1976 a partir da reorganização crítica de imagens recolhidas na Palestina, em 1970. Godard lembrava uma verdade cuja pertinência moral não se dissipou: não é por ir recolher imagens “algures” que posso dizer que, estando “aqui”, sou detentor de uma verdade definitiva sobre aquilo que registei. A minha relação com os outros começa na consciência da distância, geográfica ou espiritual, que deles me separa (ou aproxima, se for caso disso).
Tal problemática está inscrita no trabalho de Godard desde os filmes com que observou a França à beira de Maio 68. Veja-se ou reveja-se La Chinoise (1967). Num misto de ternura e crueldade, descobríamos as ilusões dos jovens maoístas, recitando o Livro Vermelho, como nessa imagem em que vemos Jean-Pierre Léaud com óculos cujas lentes reproduzem a bandeira da República Popular da China. Cegueira ideológica? Sim. Mas também um testemunho de uma dinâmica cultural em que o objecto fulcral de comunicação era ainda o livro.
LA CHINOISE (1967)
de Jean-Luc Godard

Steven Wilson, opus 5

Aplica-se a velha máxima existencial: Steven Wilson não anda aqui para enganar ninguém... Ao lançar o seu quinto álbum a solo, To the Bone, o ex-colaborador de Jethro Tull, King Crimson ou Roxy Music, orgulhoso das suas raízes no rock progressivo, organiza uma espécie de antologia privada, tão magoada quanto festiva, resistindo às ilusões das amizades virtuais e não abdicando das dores do romantismo. Na canção Pariah, cantada com a israelita Ninet Tayeb, ainda se lembra de citar o Sr. Zuckerberg, mas é apenas para entrar em modo confessional:

I'm tired of Facebook, tired of my failing health
I'm tired of everyone and that includes myself
Well being alone now it doesn't bother me
But not knowing if you are, well that's been hell you see

Afinal de contas, o homem está à beira dos 50 anos (nasceu a 3 de Novembro, em Londres) e, abençoado seja, não se sente obrigado a pedir desculpa por isso. Daí a verdade poética que perpassa por To the Bone, título de combate, como se deduz. Eis Pariah e o lyric video de Refuge, ambos dirigidos por Lasse Hoile, e ainda o teledisco de Permanating, realizado por Andrew Morgan, quase um hino pop.





Imagens do eclipse

Em menos de dois minutos, através de um video do New York Times, eis o eclipse do sol visto nos EUA — aventura no espaço, aventura no tempo.

Brian Aldiss (1925 - 2017)

Nome grande da literatura de ficção científica, o escritor inglês Brian Aldiss faleceu a 19 de Agosto, em Oxford, um dia depois de ter completado 92 anos.
A partir de The Brightfount Diaries (1955) e Space, Time and Nathaniel (1957), Aldiss foi consolidando uma visão muito própria que o afirmou no universo da ficção científica, mesmo quando as suas narrativas se distanciavam dos seus códigos mais comuns. Deixa uma obra de muitas dezenas de títulos, muitos de poesia e ensaio (por exemplo, The Shape of Further Things: Speculations on Change surgiu em 1970). Entre os seus livros mais célebres incluem-se Non-Stop (1958), editado entre nós como Nave-Mundo, na lendária colecção Argonauta, ou Greybeard (1964), lançado pela Europa-América como O Ano do Apocalipse. O seu conto Supertoys Last All Summer Long, sobre um mundo de máquinas inteligentes, começou a ser adaptado ao cinema por Stanley Kubrick, vindo este a ceder o projecto a Steven Spielberg que o concretizou como A. I. - Inteligência Artificial (2001) — a promoção do filme definia o seu pequeno herói deste modo: "O seu amor é real. Mas ele não é." [trailer]


Entre as muitas distinções recebidas por Aldiss incluem-se dois prémios Hugo e um Nebula (reconhecimentos de excepção no mundo da ficção científica), e ainda o grau de Grande Mestre atribuído pela Associação de Escritores de Ficção Científica da América.

>>> Obituário na BBC.
>>> Site oficial de Brian Aldiss.

segunda-feira, agosto 21, 2017

A guerra segundo Hollywood (1/8)

O sucesso de Dunkirk relançou muitas memórias cinematográficas da guerra e, mais especificamente, do segundo conflito mundial: esta breve antologia de memórias foi publicada no Diário de Notícias (20 Agosto), sob o título genérico 'Como Hollywood tem visto a Segunda Guerra Mundial'.

O impacto artístico e comercial de Dunkirk, o filme de Christopher Nolan (sobre a dramática retirada de mais de 300 mil soldados britânicos ameaçados pela aviação alemã, em Maio/Junho de 1940), veio relançar as memórias da Segunda Guerra Mundial segundo Hollywood. Claro que o “filme de guerra” tem capítulos fundamentais nas mais diversas cinematografias (a começar pela Itália do neo-realismo, França, Rússia, Japão, etc.). O certo é que, desde o romantismo de Casablanca (1942), de Michael Curtiz, à vertigem surreal de Sacanas sem Lei (2009), de Quentin Tarantino, passando pelo intimismo trágico de O Resgate do Soldado Ryan (1998), de Steven Spielberg, várias gerações de espectadores têm conhecido a vitória dos aliados sobre os nazis sobretudo através de produções provenientes dos estúdios americanos.
As variações são imensas, claro. Há mesmo o caso “teatral” de Lifeboat/Um Barco e Nove Destinos (1944), em que Alfred Hitchcock se concentra na odisseia de um grupo de sobreviventes à deriva numa pequena embarcação. E há até comédias delirantes, à maneira do burlesco do cinema mudo, como Onde Fica a Guerra? (1970), de e com o muito esquecido Jerry Lewis.
E convém não escamotear o paradoxo comercial de tudo isto. Assim, é verdade que as estatísticas registam grandes sucessos de títulos do género, a começar por O Resgate do Soldado Ryan. Mas importa relativizar: para nos ficarmos por outro exemplo da filmografia de Spielberg, lembremos que ele conseguiu quase o triplo de receitas com o seu Parque Jurássico (1993).
Uma coisa é certa: no imaginário cinéfilo, a Segunda Guerra Mundial é um tema revisitado por todas as gerações de cineastas, de alguma maneira criando novas narrativas. Nos últimos anos, Ponte de Espiões (2015) de Steven Spielberg, e O Herói de Hacksaw Ridge (2016), de Mel Gibson, conseguiram mesmo chegar à nomeação para o Oscar de melhor filme do ano (embora não triunfando nessa categoria). Podemos apostar que Dunkirk irá surgir, pelo menos, com a mesma evidência.

O eclipse em directo

É verdade: nos EUA também acontecem fenómenos que não decorrem, directa ou indirectamente, da administração Trump. Hoje, por exemplo, é dia de um eclipse solar que poderá ser observado ao longo de uma faixa transversal de todo o território do país.
Da comunidade científica aos meios de comunicação, vive-se uma entusiástica mobilização geral. Eis algumas pistas: na rádio pública, NPR, com participação musical do Kronos Quartet; nas páginas do New York Times; ou no site da NASA — aqui fica também o canal YouTube da NASA.

domingo, agosto 20, 2017

Jerry Lewis (1926 - 2017)

Actor, realizador, homem de televisão, filantropo, é um dos nomes centrais na história do moderno cinema americano e da cultura popular ao longo da segunda metade do século XX: Jerry Lewis faleceu de causas naturais, hoje, dia 20 de Agosto de 2017, na sua casa de Las Vegas — contava 91 anos.
Para muitos espectadores americanos, será "apenas" o homem que, com uma energia contagiante, organizou e apresentou ao longo de 46 anos (até 2014) uma maratona televisiva destinada a angariar fundos para ajudar as crianças que sofrem de distrofia muscular. Para quase todos os frequentadores de salas de cinema na Europa, sobretudo os mais jovens, não passará de uma referência distante, mais ou menos anedótica, sem espessura artística.
De facto, há muito que Jerry Lewis, desiludido com a evolução industrial e comercial de Hollywood ao longo da década de 70, se sentia como um outsider. E com razões para isso: deixou de encontrar condições para a produção regular dos seus filmes e, em boa verdade, quase ninguém o convidava, a não ser para papéis mais ou menos decorativos em que apenas se lhe pedia que interpretasse a sua própria imagem de marca. A grande excepção foi O Rei da Comédia (1982), de Martin Scorsese, um retrato implacável da degradação televisiva do conceito de entertainment em que contracenava com Robert De Niro.
O período de maior glória — e de trabalho continuado — de Jerry envolve, grosso modo, os dezassete filmes em que formou uma célebre dupla com Dean Martin, entre 1949 e 1956 (Pintores e Raparigas, de 1955, dirigido pelo seu mestre Frank Tashlin, poderá servir de símbolo modelar), e as suas realizações ao longo da década de 60, começando com Jerry no Grande Hotel (1960), continuando com títulos admiráveis como O Homem das Mulheres (1961), As Noites Loucas do Dr. Jerryll (1963), Jerry 8 3/4 (1964), Jerry e os Seis Tios (1965) ou Uma Poltrona para Três (1966), desembocando, já em 1970, em Onde Fica a Guerra?, genial variação burlesca sobre a Segunda Guerra Mundial e os valores militaristas. Em qualquer caso, registe-se que, ainda que com interrupções, The Jerry Lewis Show se manteve no pequeno ecrã entre 1963 e 1984.
A sua herança é das mais visceralmente ligadas à grande tradição burlesca, envolvendo Charlie Chaplin, Buster Keaton e o nem sempre muito lembrado Stan Laurel. Ao mesmo tempo, através de um sistema de mise en scène capaz de transfigurar os elementos cenográficos em base de novas e ousadas experimentações dos vectores espaço-temporais, Jerry surgiu na linha de frente das muitas convulsões conceptuais e narrativas que, durante os anos 60, abalaram o cinema da Europa e dos EUA. Em Outubro de 1967, numa entrevista aos Cahiers du Cinéma, a propósito do seu filme La Chinoise, Jean-Luc Godard considerava mesmo que, naquele momento, Jerry Lewis era o "mais corajoso" cineasta de Hollywood.
Da herança de Jerry fazem parte dois livros fundamentais: The Total Film-Maker (1971), sobre os seus métodos e técnicas de realização, e Dean & Me (A Love Story) (2005), evocação do período da sua carreira na companhia de Dean Martin, escrito com a colaboração de James Kaplan. Um dos seus derradeiros aparecimentos públicos foi em Cannes, no ano de 2013, quando o festival o homenageou, apresentado Max Rose, de Daniel Noah, o último filme em que assumiu uma personagem central (um pianista de jazz confrontado com memórias perturbantes, desencadeadas pela morte da mulher).
Com o desaparecimento de Jerry Lewis, fica por resolver o caso do seu filme The Day the Clown Cried (1972). Rodado na Suécia, nele interpreta a personagem de um palhaço, profissional do circo, que é preso pelos nazis e compelido, num campo de concentração, a acompanhar as crianças que vão ser mortas — rodeado de muitas polémicas, minado por diversos problemas de produção, o filme é conhecido através de algumas pouquíssimas imagens mas, quase meio século depois da rodagem, permanece inédito.

>>> Trailer de Pintores e Raparigas (1955), de Frank Tashlin, talvez o melhor filme da dupla Dean Martin/Jerry Lewis.


>>> Trailer de Jerry no Grande Hotel (1960), primeira realização de Jerry Lewis, uma paródia ao próprio sistema clássico de produção.


>>> Trailer de O Homem das Mulheres (1961), sublinhando as características monumentais do próprio cenário.


>>> Jerry Lewis recorda experiência de colaboração com Martin Scorsese e Robert De Niro em O Rei da Comédia (1982).


>>> Trailer de Max Rose (2013), de Daniel Noah, "filme-testamento".


>>> Obituário: New York Times + Vanity Fair + BBC.