segunda-feira, junho 05, 2017

Elogio dos "pequenos" filmes

O mercado continua espartilhado entre os blockbusters que desfrutam de todas as regalias promocionais e... os outros — este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 Junho), com o título 'Quem cuida dos "pequenos" filmes?'.

Sou dos espectadores do recente Festival de Cannes francamente desiludido com as escolhas do júri presidido pelo cineasta espanhol Pedro Almodóvar. A Palma de Ouro para o filme sueco The Square, de Ruben Östlund, pareceu-me distinguir uma rudimentar comédia dramática sobre as máscaras do dia a dia (o que, enfim, não deixa de ser alguma coisa...), deixando de fora o fulgor cinematográfico de Happy End, de Michael Haneke (em parte marcado pela mesma temática, é verdade).
Juízos de valor à parte, há que reconhecer que Almodóvar e os seus pares deram visibilidade a alguns filmes empenhados em não ceder às facilidades “espectaculares” do momento, preservando a dimensão humana das histórias que têm para contar. Para além de The Square, é o caso de 120 Battements par Minute, de Robin Campillo, evocando as lutas de sensibilização para o flagelo da sida no começo da década de 1990, In the Fade, de Fatih Akin, sobre uma família alemã tragicamente atingida pelo terrorismo, ou Loveless, de Andrey Zvyagintsev, desencantado retrato de uma família da Rússia contemporânea.
São, todos eles, “pequenos” filmes que, mesmo com os prémios que receberam, correm o risco de serem secundarizados em qualquer mercado (nacional ou internacional). Porquê? Porque as directrizes dominantes da distribuição/exibição decorrem do poder económico dos blockbusters, não necessariamente da singularidade das produções que, melhor ou pior, tentam escapar aos efeitos comerciais e simbólicos de tal poder.
Nas salas portuguesas está em exibição um bom exemplo de um filme que, a meu ver, tendo tudo isso em conta, merecia outra atenção. Chama-se O Sentido do Fim, foi realizado por Ritesh Batra, e adapta o romance homónimo de Julian Barnes (entre nós editado pela Quetzal). Com um par de veteranos bem conhecidos — Jim Broadbent e Charlotte Rampling —, inclui ainda no seu elenco o nome de Michelle Dockery, da muito popular série Downton Abbey.
Narrando a odisseia afectiva de um homem (Broadbent) que descobre a insólita e perturbante proximidade das memórias da juventude, O Sentido do Fim é, acima de tudo, um objecto que sabe valorizar o carácter irredutível de cada personagem, nessa medida recuperando também as marcas de um realismo social cuja pertinência não se perdeu. O que está em jogo envolve a possibilidade de continuarmos a encontrar nos filmes histórias ligadas às nossas vivências concretas, não necessariamente a galáxias inacessíveis. Importa não abdicar da defesa da diversidade cinematográfica.