O trabalho visual de Eduardo Brito pode, talvez, resumir-se através de um paradoxo: ao filmar, o desejo de ficção apela a uma depurada contemplação fotográfica (lembremos o exemplo modelar de Penúmbria); ao fotografar, as imagens, pervertendo a sua austera quietude, surgem animadas de um movimento que, mesmo quando apela à abstracção, nos remete para a deambulação cinematográfica — entenda-se: física — de um olhar. Assim volta a acontecer em 'Revisão', título de uma exposição que esteve patente no Museu do Douro e que, agora, existe também num fascinante livrinho de poucas dezenas de páginas.
Sempre seduzido por essas paisagens narrativas em que o artifício máximo da ficção coexiste com a verdade irredutível do gesto, Eduardo Brito situa a sua 'Revisão' a partir de um frase de Theo Angelopoulos e Tonino Guerra: "No princípio Deus criou a viagem, depois a dúvida e por fim a nostalgia". Assim, através de um projecto cujas ambivalências competirá a cada espectador avaliar, a ideia de revisão instala-se através de uma metódica duplicidade. A saber: como se passa das paisagens do Douro para as Badlands do Dakota do Sul, EUA?
Podemos dizer que identificamos, aqui, a vontade documentarista mais primitiva, isto é, mais ligada ao primordial desejo fotográfico/cinematográfico de dar a ver. Ao mesmo tempo, esse efeito de "reportagem" (que, em qualquer caso, o trabalho não renega) vai-se diluindo naquilo que talvez possamos designar como a instabilidade de qualquer mapa — geográfico ou mental. No limite, as fotografias de Eduardo Brito não "reproduzem" o real (estamos muito longe dessa patética ingenuidade televisiva), antes o resgatam de qualquer prisão descritiva.
Há ainda outra maneira de dizer isto: cada fotografia pressente um lugar outro através do lugar que dá a ver. Não serão necessárias referências, muito menos cauções, mas tal dialéctica está profundamente ligada ao imaginário made in USA através do trabalho de gente tão diversa como Ansel Adams ou Wim Wenders. Como se o fotógrafo soubesse que as suas imagens também o transfiguram, refazendo a sua identidade como fantasma do seu próprio desejo.
De tal modo que ao espectador é doada a possibilidade de se imaginar personagem da viagem que as fotografias evocam — um exercício de luminosa liberdade, enfim.
De tal modo que ao espectador é doada a possibilidade de se imaginar personagem da viagem que as fotografias evocam — um exercício de luminosa liberdade, enfim.