CHUCK PALAHNIUK FOTO: The Huffington Post |
Há uma actualidade perversa no livro Make Something Up, a primeira colecção de narrativas (22 contos e uma novela) de Chuck Palahniuk: as suas histórias efusivamente absurdas, por vezes dantescas, conservam sempre qualquer coisa de realista e carnal que nos remete para as perplexidades do presente — e, para sermos completamente claros, para as atribulações (absurdas & realistas, hélas!) da América de Donald Trump.
Em boa verdade, trata-se de uma alucinação, porventura realista, mas cronologicamente infundada: Make Something Up teve a sua primeira edição em 2015 e, além do mais, está longe de se poder definir como um livro à procura de ser profético. Digamos que Palahniuk não se poupa a esforços, por vezes também eles à beira do absurdo, para nos enredar numa sensação de assombramento, como se as suas histórias nos levassem a redefinir, num misto de objectividade e paranóia, as fronteiras do próprio real — aliás, o subtítulo do livro avisa-nos que, depois de lidas, tais histórias nunca mais nos abandonarão: "Stories you can't unread".
A certa altura, numa das histórias, 'Inclinations' (a novela, precisamente), há uma personagem que proclama uma espécie de axioma religioso: "A minha ideia de Inferno seria chegar ao Céu e ser forçado a fingir que sou como vocês até ao fim da eternidade." Delícias da misantropia? Sem dúvida, embora enraizadas num surreal universo alternativo, mais exactamente um "hospital" especializado em "curar" adolescentes que revelem tendências homossexuais... Parábola libertadora? Talvez, embora os "doentes" sejam, no essencial, heterossexuais e fingidores, aceitando ser "tratados" para extrair vantagens financeiras dos seus angustiados progenitores...
Aventuras de desgosto, decomposição humana e impossível romantismo — eis um outro título possível para uma galeria de acontecimentos em que podemos encontrar as mais bizarras formas de conjugalidade (numa história que dá pelo título heróico 'How Monkey got married, bought a house, and found happiness in Orland', com personagens com nomes como Monkey, Coyote ou Hamster), figuras de zombies nascidas do livre arbítrio de alguns humanos alheios a qualquer fogacho de sensatez, a mais delirante explicação que um pai alguma vez terá prestado a um filho sobre de onde vêm os bebés...
Provavelmente, a forma mais sugestiva de falar de Make Something Up será não falar de Make Something Up... Como? À maneira das regras de Clube de Combate, o primeiro romance de Palahniuk, publicado em 1996, depois transfigurado num prodigioso filme de David Fincher, estreado três anos mais tarde. Qual era, de facto, a primeira das oito regras do 'Clube de Combate' em que se envolviam Brad Pitt e Edward Norton? Enunciava-se assim: "A primeira regra do Clube de Combate é não falar do Clube de Combate'.
São sinais cruéis, delirantes e de inquietante precisão, de uma América em que os fantasmas passaram a habitar os cenários do quotidiano. A tragédia que pressentimos redime-se apenas através de uma obscenidade enunciada com delicada candura. Exemplo do conto 'Zombies':
>>> Basicamente, somos grandes animais que evoluímos para quebrar conchas e comer ostras cruas, mas agora é suposto conhecermos as trezentas irmãs Kardashian e os oitocentos irmãos Baldwin. A sério: à velocidade a que se reproduzem, as Kardashians e os Baldwins vão dar cabo de todas as outras espécies humanas. O resto, vocês e eu, somos apenas becos sem saída da evolução, à espera da extinção.
C. P.