1. A noção de kitsch tornou-se inoperante — eis uma tragédia cultural que somos convidados a viver como libertação do gosto, redobrando a dimensão trágica da nossa impotência.
2. Quando o kitsch era kitsch, uma imagem como aquela que faz a capa da revista Cristina seria tão só um evento descartável: duas figuras identificáveis pela maioria dos cidadãos — Alberto João Jardim e Cristina Ferreira — expõem-se como símbolos de um apoteótico vazio de pensamento, vivido sem culpa.
3. Agora que o kitsch morreu da sua própria generalização mediática, já não vemos dois incidentes no movimento das ideias, mas sim duas personagens que vivem a ilusão de que, cada uma delas, representa uma ideia.
4. O mais perturbante é que, de facto, a sua pose — caucionada pela simulação patética de uma aristocracia sem história — nos diz que eles acreditam na singularidade do seu destino iconográfico. A sua seriedade é agressiva: se alguém invocar a noção de ridículo, chamar-nos-ão intolerantes, porventura insensíveis.
5. Assim vai a cultura popular. Entenda-se: a cultura que é feita em nome do povo. Para lidar com a sua miséria ontológica, seria preciso que os nossos agentes políticos começassem por libertar a própria palavra "povo" das obrigações hipócritas com que a história a recobriu e condicionou. Por enquanto, a única hipótese de resistência consiste em dizer que a alegria que uma imagem destas quer simbolizar nos afoga em desesperada tristeza. E desejar que o kitsch volte a ser possível.