quinta-feira, janeiro 05, 2017

Violência entre adolescentes — que imagens?

1. Não alimentemos a ilusão piedosa segundo a qual muitas imagens "positivas" em televisão fazem, por si só, uma melhor sociedade. Em todo o caso, por um momento, perguntemos apenas [insisto: apenas] que imagens conseguem, hoje em dia, uma difusão automática em televisão? Mais do que isso: uma infinita repetição, capaz de banalizar tudo o que nelas se vê?

2. Pensemos, por uma vez, no pólo oposto. Eis o tipo de imagens que nunca é repetido (na maior parte dos casos, nem sequer é mostrado) em televisão: num jogo de ténis, Roger Federer dá uma invulgar prova de desportivismo, chamando a atenção para o facto de estar a ser avaliada uma pontuação que não lhe pertence, mas sim ao seu adversário, Alexander Zverev [ver aos 05m 15s — há um extracto disponível no site do jornal A Bola].


3. Muito pelo contrário, as imagens de um video registando um episódio de violência entre adolescentes [fotograma em cima] surgiram hoje no espaço televisivo, numa vertigem de repetições + repetições + repetições + ... que só pode produzir um efeito de drástico esvaziamento factual e trágica indiferença simbólica.

4. Chamar a atenção para esta histeria audiovisual não significa dizer que as televisões é que têm a "culpa" dos desmandos dos nossos adolescentes (já é tempo de superarmos esse infantilismo que, desde os golos do futebol até aos mais cruéis dramas sociais, resolve tudo através de um tribunal mediático em que todos estão implicitamente, e divinamente, mandatados para destrinçar "inocências" e "culpas"). Significa, isso sim, que qualquer prática informativa — das imagens à escrita — configura uma ideia de mundo

5. Ninguém ignora que um video como este é um sinal de uma complexidade — social, familiar, política — que diz respeito a todos nós. Apesar disso, aliás, por isso mesmo, importa não transformar esse sinal em matéria de "teses" mediáticas capazes de garantir alguma agitação noticiosa durante 24 ou 48 anos. O video é apenas [insisto: apenas] uma ponta microscópica de um enorme iceberg colectivo a que todos pertencemos — todos, quer dizer, incluindo as narrativas televisivas.