quinta-feira, dezembro 22, 2016

A emancipação de uma voz


A reedição da obra de Tori Amos em edições com som remasterizado e acompanhadas por extras tem agora um novo episódio. Há cerca de um ano os álbums Little Earthquakes (1992) e Under The Pink (1994) lançavam este formato para uma revisão de carreira que agora chega a Boys For Pele (1996), o disco que traduz as consequências de uma rutura e de vivências que desencadeariam em si reações que acabaram por determinar o curso dos acontecimentos daí em diante. O fim do relacionamento (pessoal e profissional) com aquele com quem tinha trabalhado a produção desses dois álbuns terá sido o primeiro elemento em jogo de uma série de acontecimentos entre a vida privada e artística que abriram alas à vontade de criar um álbum ainda mais focado em questões identitárias. Se havia já um questionar das relações com o feminino em temáticas diversas (nomeadamente as da religião), Boys For Pele, que chama ao título o nome de uma deusa havaiana, acentua mais ainda a ideia de criar um ciclo de canções que promovem um olhar ainda mais focado em questões de género. Se nas palavras as questões são abordadas de forma incisiva, no som há aqui uma vontade de explorar quer a abrasividade de formas menos polidas quer uma paleta de timbres e soluções instrumentais mais alargadas a outros horizontes, notando-se a presença evidente de um cravo, uma harpa, metais ou o recurso a coros.

A composição, tal como os arranjos, aposta em ousadias maiores, levando a voz de Tori Amos para fora das zonas de conforto anteriores, mostrando o alinhamento o retrato do enfrentar de um desafio que termina com final (artisticamente) feliz. Em suma, Boys For Pele abre novas possibilidades, que tanto a compositora como a cantora levam a bom termo, num trabalho que passa a tomar em mãos, daí em diante passando a ser ela mesma a escultora da sua obra desde o imaginar da primeira nota e palavra ao fechar da mistura de uma gravação.

Boys For Pele é um disco longo, surgindo na nova edição todo o conteúdo original do alinhamento (com 18 temas) no CD1. O CD 2 integra, por sua vez, temas originalmente editados nos lados B dos singles deste período e junta outros extras mais, alguns deles canções originalmente gravadas durante as mesmas sessões, mas que por diversas razões acabaram fora do alinhamento quer do álbum, quer dos singles. São disso exemplo Walk To Dublin (que entretanto surgiria mais tarde em outros lançamentos) ou To The Fair Motormaids of Japan, que aqui vê finalmente a luz do dia. Não falta também a versão remisturada de Professional Widow, que levou ainda mais longe as ousadias desta etapa na obra de Tori Amos.