sábado, dezembro 24, 2016
A casa do pai
É como uma história que nos podia ter como protagonistas. Ou alguém da nossa família. Ou vizinhos perto de quem em tempos passávamos as férias… E foi de facto a partir de memórias e vivências pessoais que Paco Roca nos dá, em A Casa, uma novela gráfica sobre as dinâmicas da vida familiar e de como os tempos que vão passando sobre elas vão agindo. A verdadeira protagonista da história é uma casa. Construída numa encosta com vista sobre o mar e na qual foram passados os fins de semana e as férias de uma família cujo pai não fazia outra coisa senão obras aqui e ali, para a melhorar. Fosse um muro, uma piscina, outra coisa qualquer, estavam sempre ocupados, sempre a agir sob um objetivo comum: a casa (de todos). Com o tempo cada um dos três filhos começa a ter a sua agenda pessoal (que família não conhece isto?), que deixa de passar pelas deslocações à casa, na qual não ficam senão os pais. A morte da mãe não impede que o pai para ali continue a ir, sem perder nunca a sua vontade de fazer mais um arranjo aqui, uma melhoria acoli… Até que, um ano depois da sua morte, durante o qual a casa esteve fechada, os três filhos a ela regressam, uma vez mais com um objetivo comum, mas diferente do de outrora: vendê-la. Diferentes entre si, encontram ali memórias. E entre elas A Casa volta a ganhar vida…
A trama, de tão simples, tão do quotidiano, poderia parecer banal história contada no café… Mas Paco Roca, que entre nós tem também já publicados Rugas (pela Bertrand), livro que focava já questões sobre o envelhecimento, e O Inverno do Desenhador (também pela Levoir que lança A Casa), encontra entre as interações dos três irmãos no presente, um vizinho que traz ecos vivos do pai desaparecido e as memórias partilhadas naquele lugar, uma narrativa com a dimensão de algum do melhor cinema dos nossos tempos quando resolve contar histórias de famílias. Sim, ao nível de um Moretti ou de uns Dardenne, embora sem a dimensão trágica com que por vezes estes cineastas moldam os seus filmes. Mesmo talhada na melancolia que a memória faz agir sob a consciência da perda há aqui uma outra crença na humanidade. E está aqui um filme à espera de ser feito.
O livro foi já alvo de múltiplas premiações. E basta lê-lo para perceber porquê. É que à sinceridade emocional com que se conta uma história aparentemente banal, mas que diz muito sobre a nossa natureza, Paco Roca alia ainda um traço tão claro e simples como a narrativa e apresenta um trabalho de coloração e de exploração da luz que ajuda a vincar a identidade ibérica dos cenários (sem recorrer nunca a colocações forçadas de elementos para o fazer). Qualquer leitor de banda desenhada não dirá que não a este livro. E A Casa é daquelas novelas gráficas capazes de chamar para este universo quem está mais habituado a outra forma de ler e ver histórias contadas.