FOTO: Carlos Manuel Martins / DN |
O seu nome ocupa um lugar central na história do moderno cinema polaco: Jerzy Skolimowski passou por Portugal, tendo feito parte do júri do Lisbon & Estoril Film Festival — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (12 Novembro), com o título '“No cinema é bom sermos apanhados de surpresa"'.
Jerzy Skolimowski é, a par de Krzysztof Kieslowski e Roman Polanski, um dos nomes fundamentais da “nova vaga” de autores polacos que passaram pela Escola de Cinema de Lodz (cidade onde nasceu em 1938). Está em Portugal como membro do júri do Lisbon & Estoril Film Festival, certame que o homenageia com uma retrospectiva dos seus filmes — o mais recente, 11 Minutos, venceu a edição de 2015.
Ele próprio propõe uma esclarecedora mini-biografia: “Nasci pouco antes do começo da Segunda Guerra Mundial, vivi a ocupação alemã da Polónia e, depois, as dificuldades do pós-guerra e o período comunista. Na altura, era estudante e, claro, fui influenciado pela propaganda comunista. Só na Escola de Cinema começámos a ter uma visão mais ampla e, por assim dizer, mais internacional do mundo: comecei a ver filmes a que não teria acesso enquanto espectador normal. Mais tarde, vivi o período do Solidariedade. Passei, assim, por transformações históricas muito fortes que, de uma maneira ou de outra, marcaram os meus pontos de vista.”
Será que a religião, tão significativa na percepção corrente da Polónia, foi importante na sua formação? Skolimowski vê a questão com evidente ironia: “Claro que sou católico romano e, em criança, frequentava a igreja. Mas na adolescência, comecei a faltar aos meus deveres, preferindo jogar futebol.” E era bom jogador? “Era bastante bom, jogava à baliza. De qualquer modo, nunca joguei futebol a sério num clube. No boxe, sim: ainda travei mais de uma dezena de combates com sucesso moderado.”
17 anos de reflexão
As convulsões do Solidariedade levaram-no a fazer um dos seus filmes mais conhecidos, Moonlighting (1982), com Jeremy Irons, parecendo consolidar uma carreira fora da Polónia. Assim aconteceu, mas a caminho de um impasse: depois de Ferdydurke (1991), insatisfeito com os resultados de uma típica co-produção europeia, Skolimowski parou durante 17 anos — regressou em 2008, com Quatro Noites com Anna, um filme produzido por Paulo Branco.
Durante esse interregno, dedicou-se à pintura: “Precisava de repensar a minha atitude em relação ao cinema, senti que tinha traído os meus valores artísticos. Decidi parar sem pensar que seria por 17 anos, talvez uns três ou quatro.” Na procura de alguma cumplicidade estética? “Não, o cinema é como ir para a fábrica às nove da manhã e fazer figura de patrão; a pintura é uma experiência puramente zen e, nessa medida, uma performance solitária.”
Não admira que Skolimowski tenha uma visão essencialmente prática da técnica e, em particular, dos novos recursos digitais: “Nos meus três filmes mais recentes — Quatro Noites com Anna, Essential Killing (2010) e 11 Minutos (2015) — trabalhei com película, no primeiro, e o digital, nos outros dois. Para falar verdade, não notei grande diferença. O digital traz-nos, talvez, um pouco mais de liberdade com a luz, mas o resultado final é praticamente igual.”
Paradoxalmente ou não, Skolimowski não esconde a sua actual condição de espectador relutante: “Honestamente, cada vez vejo menos filmes. É uma questão sobre a qual já falei várias vezes com o meu querido amigo Roman Polanski: quando vamos ao cinema, ao fim de poucos minutos, passámos a sentir que sabemos exactamente o que se vai seguir — não há mistério, quando muito observamos a qualidade da execução.” Foi o próprio Polanski que lhe fez o melhor dos elogios a 11 Minutos: “Fiquei contente quando ele me disse que, perante o filme, não tinha a mais pequena noção do que ia acontecer a seguir e como tudo iria acabar. É o que mais valorizo no cinema: estarmos alerta e sermos apanhados de surpresa.”