domingo, novembro 06, 2016

Halloween, futebol & etc.

GEORGE GROSZ
Em frente ao quartel, 1918
Halloween e futebol passaram a ser "obrigações" culturais do espaço televisivo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 Novembro), com o título 'Bruxas e presidentes'.

1. Pelo espaço mediático, com inevitável destaque para o território televisivo, sempre circulou um discurso anti-americano feito de poucas ideias e muitas insinuações. No campo cinematográfico, por exemplo, tal discurso promove a mais absoluta ignorância sobre a fascinante pluralidade da história de Hollywood, ao mesmo tempo que, com entusiasmo, celebra os milhões de dólares das receitas de qualquer “blockbuster” de quinta ordem... Assistimos, agora, a outra peculiar manifestação do mesmo simplismo (que está longe de ser meramente televisivo, afirmando-se mesmo como um fenómeno transversal em muitas sociedades europeias). Assim, nos últimos dois ou três anos, o Halloween dos EUA passou a ser promovido como um evento que, nem que seja através do marketing mais grosseiro, pode ser mimetizado como “tradição” europeia. Somos, assim, confrontados com imitações consumistas do Dia das Bruxas, encenadas como uma espécie de urgência da nossa identidade cultural. Resultado: o puro vazio mental.

2. O presidente do Sporting fez um discurso (dramático e contundente, garantem os comentadores mais radicais). Subitamente, dir-se-ia que a actualidade política foi esmagada pelo poder do futebol. Mais do que isso: as palavras e imagens desse discurso transformaram-se em destaque “obrigatório” dos noticiários, como se se tratasse de uma missa mediática, mais importante do que qualquer intervenção pública de um qualquer chefe de Estado. Será preciso repetir que esta observação nada tem a ver com o clube citado? Já vimos fenómenos “informativos” rigorosamente idênticos a propósito de palavras proferidas pelos presidentes de Benfica ou Porto... O que se regista é a pobreza simbólica de tudo isto: quando alguém apela à hiper-dramatização do clubismo, as televisões, em vez de resistirem a tão triste maniqueísmo, optam por promovê-lo.