Foi um grande acontecimento: uma única noite para ver o filme dos Rolling Stones em Havana — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Setembro), com o título 'Sentir Cuba com os Rolling Stones'.
Grande acontecimento global: na noite de sexta-feira, dia 23, cerca de mil salas de cinema apresentaram, em todo o mundo, o filme Havana Moon, prodigioso registo do concerto que os Rolling Stones deram em Cuba no passado dia 25 de Março (em Portugal, o filme passou nas salas da cadeia UCI, em Lisboa, Porto e Amadora). Como estava anunciado no site oficial da banda, tratou-se de um espectáculo “nos cinemas, por uma única noite”.
Estamos, afinal, perante um típico fenómeno dos nossos dias. A raridade do acontecimento será relativa (mais tarde ou mais cedo o filme terá, por certo, outra difusão em canais de televisão e nos circuitos de DVD e Blu-ray). De qualquer modo, a proliferação de plataformas de difusão, e respectivas alternativas de consumo, favorece este conceito: as salas de cinema podem também acolher eventos que não estão vocacionados para uma “carreira” — uma noite, uma sessão, o mundo todo.
Claro que não estamos a falar de um clímax banalmente mediático induzido pelo marketing, promovendo o mesmo vazio de certos “gadgets” irrisórios que proliferam em telemóveis, aplicações e derivações mais ou menos “sociais”. Nada disso: o verdadeiro acontecimento reside no facto de Havana Moon ser um fascinante objecto de cinema, desde já um dos momentos mais altos na história moderna dos “filmes-concerto”.
Escusado será sublinhar a importância simbólica que o concerto teve para os espectadores cubanos. Concluindo uma digressão por países da América Latina (“Olé Tour 2016”), a banda de Mick Jagger, Keith Richards, Charlie Watts e Ronnie Wood encarou esta performance como um momento emblemático, não apenas da sua carreira, mas da própria sociedade cubana e da sua mais recente abertura ao exterior. Em declarações integradas no filme, Jagger refere que se tratou de um evento tão rigorosamente negociado e planeado que até a data resultou de uma escolha criteriosa, de modo a não se sobrepor a qualquer outra realização do calendário global (lembra mesmo que desistiram de uma data inicial porque, entretanto, tinha sido “roubada” por Barack Obama).
A realização de Paul Dugdale, sustentada pelo assombroso trabalho de montagem da dupla Simon Bryant/Tom Watson, sabe superar qualquer visão tradicional do palco, envolvendo-nos num jogo de perspectivas que, com sofisticada agilidade, circula por todas as zonas do espectáculo sem perder a sensação muito física do espaço em que tudo acontece — observe-se, por exemplo, a longa e espectacular performance do clássico Gimme Shelter.
Daí a importância (informativa e simbólica) das imagens dos espectadores. Muito para além de qualquer descrição “pitoresca”, são imagens de gente viva, capazes de nos fazer sentir a emoção cubana de, no ano da graça de 2016, poder finalmente receber os Rolling Stones. Como diz a canção, tudo isto é apenas rock’n’roll — mas nós gostamos!