Rafa - o jogador ubíquo |
Nos dias que correm, as transferências de jogadores de futebol foram promovidas a acontecimento religioso — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (2 Setembro).
1. Será possível avaliar o “bom” e o “mau” da televisão através de um cronómetro? Consideremos, por exemplo, o horror social das horas diárias do Big Brother e seus derivados... Será que a sua redução a um compacto de 10 minutos lhe daria o estatuto de ensaio sociológico? Hélas!, não creio. Qualquer minuto de semelhante produto é um metódico spot anti-humanista.
2. Ainda assim, por vezes importa lembrar que os temas tratados no espaço televisivo teriam outros (e mais interessantes) significados se a gestão dos respectivos tempos fosse menos redutora. Exemplo? O mais óbvio das últimas semanas tem o jogador Rafa como protagonista. Até quando vai durar a novela da sua transferência? Porque é que os milhões que vai ou não vai ganhar, os milhões que alguém vai ou não vai pagar, merecem mais tempo que muitos problemas seriíssimos de toda a comunidade? Insisto: não é apenas a duração que está em causa — tudo passa pelas linguagens que transformam Rafa (ou qualquer outro jogador de futebol) em figura messiânica do país audiovisual. Mas a pergunta persiste: para quê tanto tempo a vogar no esplendor de coisa nenhuma?
3. Outro exemplo: os prémios MTV. Contrariando a sua cedência às vulgaridades da “reality TV”, a estação da música promoveu uma celebração recheada de momentos fascinantes. Porque é que o discurso corajosamente político de Kanye West não foi amplamente divulgado? Porque é que a homenagem de Alicia Keys a Martin Luther King não foi cuidadosamente escutada [video]? Porque é que nem sequer o notável número cómico de Jimmy Fallon, a imitar Ryan Lochte (o nadador americano que inventou a história de um assalto de que teria sido vítima nos Jogos do Rio), teve a atenção que merecia? Os estados de alma de Rafa são jornalisticamente mais importantes que o espectáculo global da música popular?