As memórias traumáticas da guerra do Vietname estão na base da brilhante série Quarry — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (23 Setembro), com o título 'Memórias do Vietname'.
Quando deparamos com uma série tão brilhante como Quarry (TV Séries), é inevitável começar por recordar que a sua perturbante memória da guerra do Vietname possui profundas raízes cinematográficas. Trata-se de encenar o dramático regresso de um soldado, expondo uma deriva individual marcada e, de alguma maneira, agravada por uma densa rede de preconceitos sociais. Conhecemos tal contexto através de filmes tão importantes como Os Visitantes (1972), de Elia Kazan, O Regresso dos Heróis (1978), de Hal Ashby, ou O Caçador (1978), de Michael Cimino — são também histórias sobre a decomposição do imaginário clássico dos filmes de guerra.
Quarry inspira-se na série homónima de romances de Max Allan Collins, centrada na personagem de Mac Conway, um soldado dos Marines que, ao regressar da guerra, é arrastado para uma rede de assassinos profissionais. Concebida por Graham Gordy e Michael D. Fuller, para o canal Cinemax, a série distingue-se, antes do mais, pelo seu obsessivo realismo. Dos cenários degradados de Memphis à intensidade muito física dos corpos, Quarry contraria qualquer visão banalmente “descritiva” de factos e personagens — uma parede com a tinta gasta pelo tempo, tanto quanto o suor num rosto angustiado, podem ser entidades que, no ecrã, adquirem uma inusitada vibração emocional.
A realização de Greg Yaitanes, responsável pelos oito episódios desta primeira temporada [trailer], manipula todos esses elementos como peças de um puzzle que tem tanto de íntimo (as memórias traumáticas) como de social (a silenciosa demonização dos que estiveram na guerra). É, além do mais, uma realização que sabe valorizar o trabalho dos actores, com destaque para os magníficos Logan Marshall-Green e Jodi Balfour (respectivamente, Mac e a sua namorada). Ou como a saga cinematográfica do Vietname se prolonga no espaço televisivo.