I. Em boa verdade, há um padrão informativo (?) que importa desmontar — uma vez mais, de tal modo esse padrão corresponde a uma vacuidade jornalística que, hoje em dia, tem um poder realmente transversal, global e globalizante.
II. Tudo começou com Mr. & Mrs. Smith (2005), o filme que Angelina Jolie e Brad Pitt rodaram antes de se constituirem como casal — formalmente, casaram-se em 2014 e, como é sabido, estão em processo de divórcio. Ou seja, o padrão é este: as notícias sobre o par são sempre notícias dos outros. Há mesmo grandes "relatórios" noticiosos que se organizam como citações de algo que, algures, foi publicado — veja-se o exemplo sintomático de PopSugar (escusado será sublinhar que o simples título do site é um sinal inequívoco da sua assumida ligeireza).
III. Agora, com a revelação do divórcio Jolie/Pitt [BBC], rapidamente se instalou uma vertigem de informações, insinuações e acusações que, na prática, ninguém assume como suas. Podemos supor, claro, que tais informações, insinuações e acusações transportam algo de factualmente consistente. Mas não é a dicotomia verdade/mentira que aqui se discute — é, isso sim, a redução do trabalho jornalístico a um diz-que-diz em que, em última instância, já ninguém pode (ou quer) ser responsabilizado pelo que quer que seja.
IV. E não deixa de ser cruelmente irónico que tudo isto aconteça com o filme Junto ao Mar [título original: By the Sea] em pano de fundo. Realizado por Jolie, com Jolie/Pitt como par central, coloca em cena um casal a tentar salvar o seu casamento... Alguns paralelismos (?) foram sugeridos, mas mesmo essa sugestão, eventualmente legítima, não passa de uma manobra de diversão. Porquê? Porque quase ninguém viu o filme (sobretudo os jornalistas que fazem notícias a partir do que talvez tenha sido dito por alguém que disse que alguém terá dito...). Junto ao Mar foi um imenso falhanço comercial nos EUA e, na maior parte dos mercados, incluindo o português, apenas surgiu num tímido lançamento em DVD — que seja um filme brilhante, eis o que, desgraçadamente, não tem peso nesta conjuntura.
V. Vão, por isso, agravar-se as notícias mais ou menos irónicas ou sensacionalistas que começarão (já começaram, aliás) a acusar os respectivos protagonistas de serem perversos manipuladores dos media. Não nos finjamos ingénuos: no mundo em que vivemos, todos sabemos que personalidades públicas como Angelina Jolie ou Brad Pitt cuidam de forma muito profissional (discutível ou não) da sua imagem pública. Mas se a questão é a sua "utilização" dos meios de comunicação, porque é que aqueles que os acusam de abuso de imagem não param, imediatamente, de tratar a respectiva vida privada como um teatro de guerra? E em nome de quê nos convocam para acedermos de forma automática, automaticamente irresponsável, a essa vida privada?