quinta-feira, junho 30, 2016

Tom Hanks + Clint Eastwood

O novo filme de Clint Eastwood chama-se Sully, tem Tom Hanks como actor principal e centra-se na personagem do capitão Chesley 'Sully' Sullenberger, piloto do avião que fez uma aterragem de emergência no rio Hudson, a 15 de Janeiro de 2009 — já há cartaz e trailer [estreia em Portugal: 8 de Setembro].

quarta-feira, junho 29, 2016

Aprender a ver com Álvaro Siza

AS ASAS DO DESEJO (1987)
Um trabalho sobre Álvaro Siza, da autoria de Cândida Pinto, com produção de Manuela Durão, mostra como é possível fazer televisão de modo exigente e inventivo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Junho).

Para onde vai o documentarismo contemporâneo? Será que, tendo em conta a presença que conquistou nos circuitos cinematográficos, vive uma etapa de reconversão e reinvenção? Ou estará antes confinado a modelos televisivos que, melhor ou pior, vão tendo um lugar mais ou menos discreto no pequeno ecrã? São perguntas que vale a pena enfrentar para além de qualquer fronteira estável e definitiva — dois documentários sobre o arquitecto Álvaro Siza, recentemente difundidos pela SIC Notícias, relançam a questão.
Devo mesmo acrescentar que já há algum tempo não deparava, assim, com uma ideia antiga, porventura fora de moda, mas que continua a fascinar-me. A saber: a televisão não tem de ser uma colagem de fragmentos breves e acelerados que transformam o mundo num turbilhão de telediscos (com o devido respeito pelo que é genuíno na história dos telediscos). Mais do que isso: a televisão pode existir muito para além da reprodução incessante dos mesmos dispositivos mecanicistas, supostamente universais (o repórter que fala para a câmara, a voz off que descreve tudo de forma redundante como os comentadores dos jogos de futebol, etc.).


Que está, então, em jogo? Cândida Pinto (autoria) e Madalena Durão (produção) fizeram dois documentários, de pouco mais de 35 minutos cada um, construídos a partir de trabalhos de Álvaro Siza: num deles, Bonjour Tristesse, tomamos conhecimento de um edifício emblemático de Berlim concebido pelo arquitecto em meados da década de 80 (o título provém de um graffiti que alguém inscreveu na fachada); no outro, Vizinhos, recorda-se um projecto de habitação social da segunda metade dos anos 90, na Giudecca, em Veneza (não concluído na época, relançado graças à escolha dessa ilha para receber o pavilhão português na Bienal deste ano).
Os dois pequenos filmes envolvem importantes contribuições — cito, por exemplo, o trabalho de imagem (Rodrigo Lobo) e montagem (Marco Carrasqueira) — cuja sofisticação e rigor estão muito para além dos padrões correntes em todos os canais portugueses de televisão. Em todo o caso, seria simplista reduzir os seus valores a qualquer virtuosismo “tecnicista”. Nada disso. O que aqui mais conta é, justamente, a arte de ver e dar a ver, levando-nos a observar os objectos arquitectónicos como elementos viscerais de todas as vivências humanas. Como, a certa altura, diz Álvaro Siza, mergulhando no “encantamento absoluto” de Veneza, “o arquitecto aprende vendo” — por isso, é também alguém que “tem de aprender a ver”.
Face a Veneza e Berlim, a perversão cinéfila fez-me pensar em imagens de Morte em Veneza (1971), de Luchino Visconti, e As Asas do Desejo (1987), de Wim Wenders. Porque o cinema é “superior” à televisão? Não, apenas porque a televisão só ganha (e ganhamos todos nós) se souber inscrever-se numa história estética e ética que começou, há mais de um século, com a aventura cinematográfica.
MORTE EM VENEZA (1971)

SOUND + VISION Magazine
— hoje, especial PINK FLOYD

É hoje a sessão do SOUND + VISION Magazine dedicada à saga imensa dos Pink Floyd, a pretexto dos 50 anos da banda e da reedição em vinyl dos seus 15 álbuns de estúdio — FNAC/Chiado, 29 Junho, 18h30.

Michael Herr (1940 - 2016)

Autor do livro Dispatches (1977), sobre a guerra do Vietname, foi um colaborador de Francis Ford Coppola e Stanley Kubrick: o jornalista americano Michael Herr faleceu no dia 23 de Junho num hospital próximo de sua casa, em Delaware County, Nova Iorque — contava 76 anos.
Reconhecido como um dos títulos mais importantes na vasta bibliografia sobre o envolvimento americano no Vietname, Dispatches colocou Herr na galeria de notáveis autores (Truman Capote, Norman Mailer, etc.) que exploraram o cruzamento da investigação jornalística com a escrita literária. Colaborou na escrita dos argumentos de Apocalypse Now (1979), de Coppola, e Full Metal Jacket/Nascido para Matar (1987), de Kubrick. Este último voltou a convidá-lo para a escrita de De Olhos Bem Fechados (1999): a sua recusa deixou-lhe uma memória amarga e doce que serviu de ponto de partida ao livro Kubrick (2000). No documentário First Kill (2001), de Coco Schrijber, Herr recorda a sua experiência da guerra e, em particular, o trabalho jornalístico em contexto bélico.

>>> Um extracto do filme First Kill, com Michael Herr; genérico final de Full Metal Jacket (com a canção Paint It Black, dos Rolling Stones).




>>> Obituário no New York Times.
>>> Análise de Dispatches, em The Guardian.
>>> Evocação de Michael Herr na NPR.

terça-feira, junho 28, 2016

Amor, musas e cinema

O espanhol José Luis Guerin continua a percorrer os caminhos sedutores da "ficção documental" — esta nota foi publicada no Diário de Notícias (23 Junho).

Onde acaba o documentário e começa a ficção? Velha questão cinematográfica e cinéfila que a história dos filmes vai retomando e, por assim dizer, reinventando. O espanhol José Luis Guerín gosta de a reformular num misto de precisão realista e distanciação irónica (lembremos o magnífico Comboio de Sombras, lançado em 1997). Agora, com A Academia das Musas, Guerín coloca em cena o quotidiano de um professor de filologia da Universidade de Barcelona que discute com as suas alunas as relações do amor com a linguagem (foi a literatura que inventou o amor, diz-se a certa altura...), envolvendo-nos num turbilhão de factos e emoções, palavras escritas ou faladas, que desemboca num conto moral sobre o masculino e o feminino: será que o papel amoroso, sexual e simbólico das mulheres foi, historicamente, a maior parte das vezes, dito e escrito por homens?
Eis um filme fascinante que nos ajuda a compreender a futilidade dos mais recentes super-heróis: aqui, o verdadeiro efeito especial é o desejo de conhecer e a vontade de compreender. E a sua velocidade é vertiginosa.

"Os Últimos Dias do Rei"
— hoje na FNAC

* Twickenham, 1932. Um jornalista vindo de Lisboa apresenta-se em Fulwell Park, a residência de D. Manuel II, que há 22 anos vive no exílio, em Inglaterra. Apresenta-se ao monarca para o entrevistar e com o projeto de uma biografia nas mãos. O rei recebe-o mas, embora visivelmente exausto, percorre memórias dia após dia, discute o presente com o visitante. Morre, contudo, inesperadamente, antes do trabalho concluído e nem a entrevista nem o livro chegam a ser publicados...

É este o ponto de partida do primeiro romance de Nuno Galopim, Os Últimos Dias do Rei: a sua apresentação realiza-se hoje, dia 28, às 18h30, na FNAC do Chiado — a obra será apresentada por António José Teixeira.

segunda-feira, junho 27, 2016

À procura da Pixar

Para onde vai a Pixar? Ou o que é a Pixar enquanto empresa dos estúdios Disney? São questões que se renovam e ampliam face a À Procura de Dory — esta nota foi publicada no Diário de Notícias (23 Junho).

A afirmação da Pixar em 1995, com Toy Story (primeira longa-metragem de animação totalmente digital), foi um acontecimento tanto mais significativo quanto abriu uma nova perspectiva sobre os desenhos animados — afinal, os estúdios Disney tinham um concorrente à altura. Resumindo esta história exemplar, lembremos apenas que, em 2006, a Pixar foi comprada pela... Disney (num negócio astronómico de mais de 6,5 mil milhões de euros).
Dez anos depois, face a À Procura de Dory, a pergunta é incontornável: será que a Pixar chegou a um impasse? De facto, a continuação de À Procura de Nemo (2003) é um parente pobre do original, enraizado num erro crasso de definição dramática: a personagem de Dory, com a sua perda de memória de curto prazo, era um bom contraste (comic relief) no contexto do primeiro filme, mas não possui densidade para sustentar o protagonismo que agora lhe é conferido. De tal modo que deparamos com um desenho animado em que a maioria dos gags não são visuais, antes dependem de diálogos pouco imaginativos e repetitivos.

Ver + ouvir:
Mutual Benefit, Lost Dreamers


Um dos singles extraídos do álbum Skip a Sinking Stone, editado há poucas semanas, tem agora um teledisco. Ficam as imagens. E também a proposta de descoberta de um dos mais belos álbuns deste trimestre.

Pink Floyd a 33 rpm:
'A Saucerful of Secrets' (1968)


Criado numa sucessão de sessões de gravação entre agosto de 1967 e maio de 1968, o segundo álbum dos Pink Floyd assistiu ao processo de progressivo afastamento e definitiva separação entre o grupo e aquele que fora até aí o seu principal compositor. O caráter errático e imprevisível do seu comportamento fora já assinalado quando tinham trabalhado no álbum de estreia, acentuando-se os problemas quando, depois de terminado o disco, chegara a hora de regressar à estrada. É então que entra em cena um outro elemento cuja presença reforçaria a caracterização deste como um disco de transição. Antigo colega de Syd Barrett nos tempos de escola, David Gilmour começou por ser chamado para, em palco, compensar as falhas e até mesmo as faltas do vocalista (e também guitarrista).

Com uma formação alargada a cinco chegaram a entrar em estúdio, crendo-se que Set The Controls For The Heart of The Sun, um dos temas mais marcantes do alinhamento deste segundo álbum, possa representar um raro momento gravado a contar com a presença dos cinco elementos que o grupo então juntava. Cedo ficou claro que a presença em estúdio de Gilmour era favorável ao bom curso dos trabalhos. E nasceu então a ideia de, tal como acontecera com os Beach Boys algum tempo antes, os Pink Floyd manterem Syd Barrett como o seu compositor, atribuindo-lhe tarefas criativas, chamando-o eventualmente a estúdio, mas deixando a estrada entregue aos outro quatro... Isto apesar dos resultados desapontantes do single Apples and Oranges, editado ainda em 1967, depois do álbum de estreia, mas em nada sendo capaz de repetir os resultados dos anteriores Arnold Layne e See Emily Play.

E os trabalhos foram avançando, surgindo, ainda em finais de 1967, uma versão de Juggerband Blues, canção de Syd Barrett que tinha já alguns meses (e chegara até a ser ponderada como eventual terceiro single), que contou em estúdio com a presença da banda do Exército da Salvação a quem, reza a mitologia (questionável, acrescento) que Barrett terá dito para que tocassem o que bem entendessem. Esse seria contudo o único tema assinado e cantado por Syd Barrett a figurar no alinhamento do segundo álbum do grupo. Porque, quando em 1968 retomam os trabalhos em estúdio, já a separação (cada vez mais inevitável) com o antigo vocalista e compositor havia ocorrido. Se em Piper at the Gates of Dawn o alinhamento revelava um claro protagonista da escrita de Syd Barrett, convocando a participação de outros elementos da banda em apenas três temas, no segundo disco, ao qual chamaram A Saucerful of Secrets, as composições refletem uma representação mais democrática dos músicos, definindo um espaço de colaboração e contribuição alargada que definiria o modo de trabalhar do grupo até à etapa em que Roger Waters chama a si a condução dos destinos criativos e, depois, uma outra em que David Gilmour toma um papel igualmente protagonista nesse departamento.

Tal como no plano humano (entre o afastamento de Syd Barrett e a chegada de David Gilmour) também na definição do rumo estético este é um disco de transição. Let There Be Light (que representou a primeira ocasião em que um single do grupo surgia no alinhamento de um álbum, já que o anterior It Would Be So Nice acabou fora do LP) e Remember A Day (que data dos tempos de A Saucerful of Screts) asseguram, logo a abrir o alinhamento, ligações à paleta pop/rock psicadélica pela qual o grupo continuava a trilhar alguns dos seus passos. Cabe depois à visão desafiante (mas bem arrumada) de temas mais longos e distantes do formato clássico da canção, como Set The Controls For The Heart of The Sun ou o longo tema-título (com uma reta final para coro e órgão que quase antecipa o que fariam em Atom Heart Mother) o lançamento das ideias para caminhos experimentais, todavia diferentes dos que haviam antes definido a trip de Interstellar Overdrive e outros momentos caleidoscópicos do álbum de estreia. See-Saw, que conta com a presença instrumental de Barrett, e foi algo injustamente descrita (internamente) como a canção mais aborrecida de sempre (o que não é verdade) traduz, com maior nitidez ainda, uma noção de ponte entre os ecos do que eram os Pink Floyd de 1967 e ideias que ajudariam a definir a noção do som “progressivo” do seu futuro pouco mais adiante. Por seu lado Corporal Clegg assinala a primeira manifestação de uma demanda temática que Roger Waters desenvolveria depois em vários outros episódios e que eventualmente o conduziria a The Wall e The Final Cut.

Em 1968 o álbum - que mostra a primeira capa da banda criada por Storm Thorgserson - dividiu opiniões e acendeu críticas que notavam o afastamento do principal autor do mais elogiado percurso anterior do grupo. Mas agora, 48 anos depois, o reencontro com A Sacucerful of Secrets recorda não apenas o momento difícil que a vida do grupo viveu entre 1967 e 68, como, na verdade, nos dá um deslumbrante quadro de grandes canções, instrumentais... e visões.

Para ler: algumas revelações
sobre "Rogue One: a Star Wars Story"


Um especial da Entertainment Weekly apresentou uma série de revelações sobre o filme Rogue One, o primeiro do universo Star Wars a nascer além do espaço natural da saga.

O Guardian sistematizou as novidades. Podem ler aqui.

Uma comédia sexual para o séc. XXI

Rebecca Miller continua a fazer filmes a meio caminho entre comédia e drama, reavivando uma tradição que resiste às leis dominantes do mercado — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Junho), com o título 'À procura da comédia romântica'.

Dominado pelo ruído promocional dos “blockbusters”, o Verão cinematográfico “inventou” ao longo das últimas décadas as suas próprias vítimas: os pequenos filmes, de produção mais ou menos independente, chegam numa desamparada nudez comercial, à procura de espectadores que, provavelmente, nem sequer tomaram conhecimento da sua existência...
Maggie Tem um Plano é um desses filmes. Haveria alguns trunfos promocionais no facto de a sua argumentista/realizadora, Rebecca Miller, ser filha do dramaturgo Arthur Miller (1915-2005) e casada com o actor Daniel Day-Lewis (que, aliás, dirigiu no filme A Balada de Jack e Rose, de 2005). Ainda assim, como é óbvio, seria injusto reduzi-la ao peso simbólico da sua história familiar. Sem necessidade de cauções seja de quem for, ela tem apostado em revitalizar a herança clássica do drama e comédia de Hollywood (“comedy-drama”, como os americanos gostam de dizer), através de títulos como Velocidade Pessoal (2002) ou As Vidas Privadas de Pippa Lee (2009).
Rebecca Miller
Em Maggie Tem um Plano, a personagem central é uma jovem novaiorquina que vive obcecada pelo controle da sua existência. Mobiliza, então, um ex-colega com quem mantém uma relação mais ou menos distante para o seu projecto de auto-inseminação — Maggie quer ser uma mãe solteira, sem implicar nenhum homem nas responsabilidades da sua decisão... A vontade de controlar todos os detalhes do seu projecto não corre exactamente como previsto, impelindo Maggie para uma saga de descoberta e auto-descoberta em que a gravidade dos temas nunca exclui um desconcertante humor.
Estamos, afinal, perante variações sobre a tradicional comédia romântica, de que Uma Noite Aconteceu (1934), de Frank Capra, com Clark Gable e Claudette Colbert, poderá ser a obra-prima de referência. Neste nosso século XXI, Rebecca Miller lida com um contexto bem diferente em que, além do mais, as alusões sexuais não têm o perverso simbolismo do cinema de Capra. Seja como for, o seu trabalho conserva a nostalgia desse cinema apostado em brincar com os prós e contras das relações entre homens e mulheres. Daí a importância dos intérpretes, também eles convocados para um exercício clássico com as nuances da palavra e do silêncio — no papel central de Maggie, Greta Gerwig é mesmo uma daquelas actrizes cuja subtileza e contrastes lhe conferem uma contagiante ironia “fora de moda”.

domingo, junho 26, 2016

"Blockbusters", grau zero

Não um filme-catástrofe, mas uma catástrofe de filme: a sequela de O Dia da Independência é um triste e aparatoso desastre — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Junho), com o título 'O impasse criativo dos “blockbusters”'.

Será que ainda há alguma réstea de imaginação nos “blockbusters” de Verão? Convenhamos que perante a calamitosa mediocridade de O Dia da Independência: Nova Ameaça a resposta só pode ser negativa. Dir-se-ia que já não há sequer o gosto de criar personagens que dêem alguma hipótese criativa a um respeitável leque de actores (Jeff Goldblum, Bill Pullman, Sela Ward, Judd Hirsch, Charlotte Gainsbourg, etc.). Tudo se passa como se o filme tivesse sido entregue ao departamento de efeitos especiais, de tal modo parece haver mesmo quem acredite que a destruição digital de uma grande cidade em 10 segundos constitui um automático clímax dramático...
Não é simples abordar estas questões, até porque existe o preconceito fortíssimo segundo a qual a crítica menospreza, por princípio, os “blockbusters”. Qual crítica? A mesma que, em 1975, quando a idade dos “blockbusters” começou com o admirável Tubarão, de Steven Spielberg, era insultada na praça pública por se interessar pelas manifestações do “imperialismo americano”?
Mesmo não esquecendo que, ao longo das décadas, tem havido filmes admiráveis que partem dos pressupostos artísticos e comerciais que definem os chamados “blockbusters” de Verão, O Dia da Independência: Nova Ameaça ilustra a trágica degradação de todo um conceito de espectáculo. A começar pela noção de sequela.

A banalidade digital

Estamos, assim, perante a continuação de Dia da Independência (1996), também produzido e realizado por Roland Emmerich. Nesse caso, tratava-se de encenar uma invasão de “aliens” que punha em causa a sobrevivência do planeta Terra — os resultados eram visualmente exuberantes, distinguindo-se por uma mistura de dramatismo e humor que, apesar dos grandiosos meios de produção, fazia lembrar o espírito dos pequenos filmes de “série B” dos anos 50. Agora, o esquematismo das situações parece decorrer apenas da preocupação de criar “números” de espectáculo que se bastam a si próprios, nunca conseguindo superar a estética (?) repetitiva do mais banal jogo de vídeo.
Um dos aspectos mais desconcertantes de produções deste género é a incapacidade para fazer valer os próprios recursos técnicos que têm ao seu dispor (165 milhões de dólares de orçamento não é coisa banal...). O digital passou a ser uma solução, simplista e preguiçosa, para fabricar pequenos “eventos” visuais totalmente estranhos à presença física dos actores — em muitas cenas, temos mesmo a sensação de que os actores são apenas filmados em planos aproximados, de modo a que as suas imagens possam ser “alternadas” com as constantes destruições de cenários digitais, para mais através de uma aplicação banal do 3D.
Bem sabemos que, desde os tempos gloriosos de E Tudo o Vento Levou (1939) até ao requinte de títulos como Missão Impossível: Nação Secreta (2015), o grande espectáculo é indissociável de vistosos aparatos técnicos e cenográficos. Não é isso que está em causa. O que se discute é a redução do espectáculo, precisamente, a uma colagem de explosões e ruídos que talvez dessem para sustentar um spot publicitário de breves segundos... Este é, aliás, um daqueles filmes que parece estar todo “explicado” no respectivo trailer.

Harry Rabinowitz (1916 - 2016)

Lendário maestro britânico de cinema e televisão, nascido na África do Sul, Harry Rabinowitz faleceu em Lacoste, França, no dia 22 de Junho — a 26 de Março, completara 100 anos.
Manteve uma longa relação com a BBC, de meados da década de 50 até finais dos anos 60, tendo dirigido a BBC Revue Orchestra (1953–60), por duas vezes (1964 e 1966) assumindo as funções de maestro da representação do Reino Unido no Festival da Eurovisão; mais tarde, trabalhou na London Weekend Television (1968-1977). Embora tenha assinado algumas composições, sobretudo para produções televisivas, foi como condutor de orquestra que Rabinowitz adquiriu um estatuto de grande prestígio. Colaborou, nomeadamente, com Anthony Minghella (1954-2008), tendo dirigido as partituras de O Paciente Inglês (1996) — aqui em baixo: o tema As Far as Florence —, O Talentoso Mr. Ripley (1999) e Cold Mountain (2003). Na sua filmografia de mais de uma centena de títulos, incluem-se colaborações com Hugh Hudson (Momentos de Glória, 1981), Paul Verhoeven (Robocop, 1987) e James Ivory (Os Despojos do Dia, 1993)


>>> Obituário na BBC.

sábado, junho 25, 2016

"Portugal - Croácia" — fado menor

1º acto — Não jogaram 11,  jogaram 11 milhões...

2º acto — Somos muito bons a sofrer...

3º acto — O Brexit nunca existiu...


>>> "Portugal - Islândia"
>>> "Portugal - Áustria"
>>> "Portugal - Hungria"

Paul Cox (1940 - 2016)

FOTO: Senses of Cinema
Australiano, nascido na Holanda, foi um dos nomes mais internacionais da produção cinematográfica da Austrália, sobretudo ao longo das décadas de 80/90: Paul Cox faleceu a 18 de Junho, em Melbourne, vítima de cancro — contava 76 anos.
Também com um trabalho significativo no domínio da fotografia, Cox impôs-se como retratista de muitas formas de intimidade, nomeadamente através de títulos como O Homem das Flores (1983) e A Minha Primeira Mulher (1984); em A História de uma Mulher (1991) encenou os últimos dias do combate de uma mulher com uma doença cancerígena — a actriz principal, Sheila Florance, estava de alguma maneira a assumir uma postura autobiográfica, uma vez que tinha uma situação clínica idêntica. Uma parte significativa da obra de Cox é de natureza documental: Vincent: The Life and Death of Vincent van Gogh (1987) será, nesse domínio, o seu filme mais conhecido.

>>> Obituário no New York Times.

O que é o Brexit?

MICHAEL KOUNTOURIS
Virtual Brexit
22 Junho 2016
De que falamos quando falamos de Europa?... E, afinal de contas, quando dizemos, repetimos e repetimos a palavra "Brexit", será que estamos todos a falar do mesmo?...
Seguramente que não, quanto mais não seja porque os dias seguintes nos fazem sentir, mais do que nunca, que não há nenhuma argamassa (europeia, justamente) que nos faça dizer o mesmo pelas mesmas palavras. Este extraordinário cartoon do grego Michael Kontouris (publicado na véspera do referendo no Reino Unido) condensa os nossos silêncios, receios e perplexidades — e se vogássemos todos num mar virtual de ideias? Ou numa galáxia de ideias virtuais?
Mais do que nunca, importa olhar o espaço televisivo e perguntar também que Europa vemos e, sobretudo, que Europa construímos através dos discursos, imagens e sons dominantes no pequeno ecrã e na sua plural e perversa ubiquidade — esta crónica foi publicada no Diário de Notícias (25 Junho), com o título 'A Europa mental'.

União Europeia
Por vezes, as coisas mais evidentes são também as que menos vemos. Porque recusamos olhá-las? Não necessariamente. Antes porque as olhamos como dados adquiridos, ilusoriamente transparentes, no pressuposto de que compreendemos automaticamente o que são, o que significam, como nos afectam ou transformam.
Assim a Europa, por exemplo. Dir-se-ia que, por vezes (muitas vezes?), a Europa a que dizemos pertencer já nem sequer nos convoca como coisa nítida. É apenas uma coisa, precisamente — uma coisa cujos sentidos, significações ou ambiguidades já não nos tocam, muito menos mobilizam.
Veja-se televisão. E pense-se um pouco na sua presença nas nossas vidas. Observe-se o labirinto de questões suscitado pelas relações futuras entre Reino Unido e União Europeia. Contemplem-se as imagens de refugiados que já se tornaram uma espécie de rotina amarga, sempre tão longe no ecrã, tão perto na perturbação. Enfim, não nos esqueçamos das convulsões desportivas e urbanas do Europeu de futebol, empolando até à histeria mais gritada (literalmente, sem metáfora...) as noções de patriotismo.
Reino Unido. Refugiados. Futebol. Que linha temática podemos desenhar para ligar estes elementos obsessivos das nossas notícias? Pois bem, todos eles nos falam da nossa Europa, do modo como a percebemos e imaginamos. Ou ignoramos.
Televisivamente, nada disso parece acontecer como evento realmente palpável. São fogachos que circulam, breves clips que alimentam uma ilusão de realismo logo diluída no poder imenso, ritmado e abrangente, das mensagens publicitárias. Na melhor das hipóteses, a Europa mental que construímos através das mensagens televisivas confunde-se, precisamente, com um clímax, breve e ilusório, de natureza publicitária. Desapareceu o sentimento de sagrado, excepto na religião do futebol que, por certo, nos libertará. De quê? Ninguém sabe.

Kyle Craft: a comédia dos sexos

FOTO: Sarah Cass
Admirável revelação do primeiro semestre de 2016, com chancela da Sub Pop, Kyle Craft já tem um teledisco: Eye of a Hurricane é uma insólita comédia dos sexos, filmada com a ligeireza de quem experimenta a fragilidade feliz da sua imagem — a realização é do próprio Craft, em colaboração com Tyler Bertram.

Well you sleep in late but she's up and out the window
Said nothing's gonna carry you to get where the wind blows
Sometimes, she wakes up in the middle of the night cries acid rain
She tried, to ride the fence of falling in love and going insane

Oh, she took you, you were terrified
You're locked in man, your hands were tied
She leaned in just to crush your heart
She plays it cool till the music starts then she's wild
She goes wild

Her mother was a demon but her daddy was the devil
She fed scraps to a six headed hound at the table
Then you charmed and I was blown away the skin in the skies of a mortal man
And darling I, I know I can't take the fire but I can take your hand

Then she burned you
And whispered: Come back when my daddy's gone
We'll kiss down in the catacombs
You knew then that you had to go
Her kiss was sweet her curse was cold and you tried
Yeah you tried
And you still try

Oh, she took you, you were terrified
You're locked in man, you're in her sights
She leaned in when the music stopped
She hit the street when the curtain dropped, you went wild
You went wild

sexta-feira, junho 24, 2016

A IMAGEM: Cortés, 2016

CORTÉS
"Brucifixion"
23 Junho 2016

Os Abba, segundo os Portishead
(e em homenagem a Jo Cox)


Criada para a banda sonora da adaptação ao cinema, por Ben Wheatley, de High Rise (em português Arranha Céus) de J.G. Ballard, uma versão do clássico S.O.S. dos Abba surge agora num teledisco que representa também uma homenagem à deputada trabalhista Jo Cox, recentemente assassinada.

Pink Floyd a 33 rpm:
'Piper at the Gates of Dawn' (1967)


O primeiro álbum dos Pink Floyd encerra em si o retrato do que foi a etapa de desenvolvimento do conjunto de ideias que fizeram da banda o nome de proa de um fenómeno que emergiu em Londres em meados dos anos 60 e que, juntando experiências musicais, visuais e químicas, fez da cidade um dos principais polos de invenção do psicadelismo (cujas heranças ainda hoje, regularmente, alimentam novas bandas e novos discos). É contudo um disco algo atípico em relação à restante obra dos Pink Floyd já que, salvo extensões próximas entre A Saucerful of Secrets e revisitações em Ummagumma, ali se encerra parte significativa de um período que teve em Syd Barrett e no seu talento (e visão) a sua principal força criativa. Um retrato da etapa em que Barrett foi a voz (criativa e por detrás do microfone) dos Pink Floyd exige ainda uma visita aos três singles lançados também em 1967, alguns deles recuperados na antologia Relics, lançada na alvorada dos anos 70.

A obra dos Pink Floyd nasce entre cenários pop/rock da Londres de inícios dos anos 60, juntando o entusiasmo e o sentido de desafio de estudantes de artes e de arquitetura. As suas ideias evoluem contudo para lá das formas mais habituais herdadas da pop, dos blues e rhythm’n’blues e começam a refletir os resultados de experiências com as potencialidades dos instrumentos e o desafio da improvisação que se aprofundam quando se tornam num dos nomes residentes das noites UFO que Joe Boyd começa a organizar em 1966 e que se tornam num dos epicentros de novas experiências às quais estão diretamente associadas experiências com LSD e outros ácidos alucinogénicos. A escrita, sobretudo nas mãos de Syd Barrett, concilia contudo esses desafios e formas com a estrutura mais clássica da canção, pelos seus sets passando tanto as viagens de formas desafiantes de um Interstellar Overdrive como temas de linhas mais claras como Arnold Layne, que, produzido por Boyd, editam como primeiro single em 1967 a bordo da EMI (depois do “não” de várias outras editoras).

É contudo sob regras da casa (ou seja, com um produtor da editora), que entram em estúdio, para gravar um álbum. Com os técnicos de Abbey Road já cientes de novos hábitos de trabalho e novas formas musicais em cena (sobretudo após o trabalho dos Beatles em Revolver), os Pink Floyd tomam o seu lugar no Estúdio 3, numa mesma altura em que, no Estúdio 2, os fab four trabalhavam em Sgt. Peppers. Há por isso várias histórias de encontros entre ambos, de visitas de uns aos estúdios dos outros, sobretudo tendo sido aceite como encorajadora a ocasião em que McCartney entou na régie, ouviu o que estavam a fazer e deu a sua aprovação. Sem incluir See Emily Play, que entretanto tinham gravado como segundo single (nem juntando Apples and Oranges que criariam mais tarde para um terceiro 45 rotações, embora sem o mesmo sucesso), o álbum a que chamaram The Piper at the Gates of Dawn fixou de forma fiel a alma da etapa psicadélica dos Pink Floyd, com um alinhamento que tanto traduz opções por formas mais nítidas na estrutura das canções como aceita depois as viagens mais livres e desafiantes para lá das suas fronteiras.

Entre o tom tenso e assombrado de Lucifer Sam, as canções com alma de contador de histórias (e uma certa tonalidade quase infantil) que escutamos em Matilda Mother, Bike (que teria dado um belo single) ou The Gnome e as linhas trippy de Flaming, Chapter 24 ou Scarecrow, define-se um corpo de canções que caminham sempre perto de um desejo em escapar para lá das formas mais convencionais. A fuga acontece por vezes bem evidente. Logo com Astronomy Domine a abrir. Ou, depois, com o trio Pow R. Toc H, Take Up Thy Stethoscope and Walk e, acima de tudo, o clássico Interstellar Overdrive que assim fixam neste disco a essência da face mais experimental que, entre 1966 e 1967, levantou outras possibilidades aos caminhos da cultura pop/rock.

A súbita degradação da relação da banda som Syd Barrett, consequência de uma soma progressivamente mais errática de comportamentos (em parte resultado do excessivo consumo de químicos) transformou a etapa de promoção do álbum num verdadeiro calvário, que culminaria eventualmente com uma cisão. Barrett ainda colaboraria no segundo álbum. Mas é neste que fica registada a fase em que a banda o tomava como epicentro das ideias. E convenhamos que os Pink Floyd têm aqui um dos seus melhores discos.

quinta-feira, junho 23, 2016

"Like a Prayer" — antes e depois

A história das imagens é também a história da sua manipulação. Assim, por exemplo, a capa de Like a Prayer (1989), quarto álbum de estúdio de Madonna: na sua pose nonchalante, as mãos serenamente colocadas na cintura das calças, tudo pontuado por uma profusão de jóias e adereços, a fotografia do grande Herb Ritts nasce de uma conjuntura artística e comercial em que Madonna tinha, de facto, ascendido à condição de star planetária (Ritts era também o autor da imagem iconográfica do álbum anterior, True Blue, lançado em 1986); por certo com alguma razão, de uma só vez artística e simbólica, a capa suscitou diversos paralelismos com a que Andy Warhol concebera para Sticky Fingers (1971), dos Rolling Stones.
Dir-se-ia que, agora, a totalidade da fotografia de Ritts — divulgada em 'On The Cover of a Magazine' — conta outra história, ou melhor, leva-nos a contar a mesma história de outra maneira. O corpo em pose faz-nos descobrir outra personagem, por assim dizer convertendo o pitoresco da capa em afirmação de identidade. O enquadramento, suprimindo o rosto num misto de perversidade e pudor, parece suscitar a questão clássica: who's that girl? (título do filme de James Foley que fora lançado em 1987) — a resposta fica suspensa do significado da expressão que possamos pressentir ou imaginar nesse mesmo rosto.

Os novos filmes que vêm aí

Para lá do ruído dos "blockbusters", há muitas e variadas ofertas na agenda do mercado cinematográfico — este texto de antecipação do Verão cinematográfico foi publicado no Diário de Notícias (20 Junho), com o título 'Do Museu do Louvre à música de Miles Davis'.

Convenhamos que, por vezes, são os valores dominantes do próprio mercado que parecem contrariar a simples visibilidade dos filmes mais “pequenos” (entenda-se: com menores recursos promocionais). O certo é que o espectador atento não pode queixar-se de falta de diversidade.
Filmes de autor? Sim, sem dúvida. Não porque a marca autoral seja uma garantia do que quer que seja, antes porque há mesmo projectos que se definem, antes do mais, a partir de uma pessoalíssima visão do mundo. Já esta semana, por exemplo, será possível descobrir A Academia das Musas, do espanhol José Luis Guerin, deambulando pelo universo de um professor apostado em criar uma “escola de musas”, por essa via reencontrando o amor como enigma literário.
Guerin ilustra a persistência de uma noção autoral que, não sendo exclusiva da produção europeia, encontra na Europa as suas memórias mais radicais. E há mais veteranos que, ao longo deste Verão, poderão exemplificar tal noção — são eles o russo Aleksandr Sokurov, os italianos Paolo e Vittorio Taviani e o francês Laurent Cantet.
De Sokurov teremos Francofonia, filme que se apresenta como uma “reportagem filosófica” sobre o Museu do Louvre durante a ocupação nazi. Dos irmãos Taviani estreará Maravilhoso Boccaccio, propondo uma revisitação do Decameron (tratado em 1971 por Pier Paolo Pasolini). Enfim, Cantet evoca a ilha da Odisseia de Homero — o filme chama-se Vuelta a Ítaca — para falar de Cuba e do regresso de uma personagem que viveu exilada em Espanha.

Americanos & europeus

Convém não esquecer que neste sector estão também representados os americanos a que, com maior ou menor justificação, colamos o rótulo de independentes. É o caso de Whit Stillman, com Amor e Amizade, objecto deliciosamente fora de moda que adapta uma novela de Jane Austen; Don Cheadle, a interpretar e dirigir Miles Ahead, sobre Miles Davis; e Larry Clark, com The Smell of Us, mais uma crónica juvenil, desta vez centrada num grupo de praticantes de skate, em Paris. Paradoxalmente, este último é mesmo uma produção de raiz europeia: a sua estreia mundial ocorreu no Festival de Veneza de 2014, sob a bandeira da França.
Continuam, aliás, a verificar-se significativos atrasos no lançamento de alguns filmes que ganharam visibilidade em grandes certames internacionais. Dois especialmente interessantes, incluídos na selecção oficial de Cannes/2015, estão também agendados para as próximas semanas: De Cabeça Erguida, de Emmanuelle Bercot, uma história de delinquência juvenil, e An, mais uma parábola humanista da japonesa Naomi Kawase, centrada num pequeno quiosque de venda de guloseimas.
Outros títulos a ter em conta: o alemão Fritz Bauer: Agenda Secreta, de Lars Kraumer, sobre o julgamento do nazi Adolf Eichmann; o britânico Um Traidor dos Nossos, de Susanna White, adaptando o romance de John Le Carré; e Quo Vado?, de Gennaro Nunziante, comédia com Checco Zalone que entrou para a história do cinema italiano como o maior sucesso nacional de todos os tempos. Além do mais, convém não esquecer Silêncio, de Martin Scorsese, sobre dois jesuítas portugueses no Japão do séc. XVII — mas para o descobrir teremos de esperar pelo mês de Dezembro...

The Monkees em desenho animado

Esta é uma imagem-símbolo do grupo The Monkees nos tempos heróicos da década de 60. Agora que estão a comemorar os seus 50 anos de actividade com o álbum Good Times!, é também esta imagem que serve de ponto de partida ao teledisco de You Bring the Summer, tema composto por Andy Partridge (XTC) — uma deambulação nostálgica através de uma animação deliciosamente naïf.

quarta-feira, junho 22, 2016

"Portugal - Hungria" — ópera bufa

1º acto — Não se podem sofrer três golos em alta competição...

2º acto — A equipa continua a mostrar muitas limitações...

3º acto — Agora é até à final...


>>> "Portugal - Islândia"
>>> "Portugal - Áustria"

A educação faz-se com o futebol?

[ed. Cahiers du Cinéma, 2001]
Será que a a nossa identidade nacional se define apenas através do futebol? Como é que a televisão nos educa para pensarmos essa identidade? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 Junho).

Os discursos dominantes sobre televisão tendem a recalcar o seu papel como instrumento de educação. A simples possibilidade de analisar o espaço televisivo como factor educacional é muitas vezes achincalhada, insinuando-se que quem coloca tal questão só estaria satisfeito se os noticiários fossem feitos com dissertações sobre a montagem das atracções de Eisenstein ou o primado das linguagens segundo Wittgenstein...
Infelizmente, se olharmos com atenção e espírito crítico a história da televisão em democracia, a caricatura não é exagerada. Sobretudo porque nos permite compreender que tais insinuações têm como efeito principal o recalcamento da educação que, de facto, todos os dias, nos é inculcada. Que educação? Por exemplo, a que leva a definir o patriotismo através do futebol: por estes dias, beber cervejas e berrar para as câmaras de televisão parecem ser as únicas actividades patrióticas que nos restam.
Não se trata, entenda-se, de reduzir o problema à histeria audiovisual dos últimos meses, nem sequer ao facto de as suas narrativas serem maioritariamente determinadas pelo mercado publicitário. Estão em jogo valores muito antigos, sinalizados desde os anos 60, quando um cineasta como Roberto Rossellini (1906-1977) encarou a televisão como uma “arte nascente”, capaz de reconverter todas as relações dos espectadores com o passado e o saber da humanidade (em 2001, o crítico e ensaísta italiano Adriano Aprà dedicou a essa faceta da obra rosselliniana um livro antológico, significativamente intitulado “A Televisão como Utopia”).
Como podemos viver, então, quando somos televisivamente educados para viver apenas através do futebol? A pergunta é imperfeita, quanto mais não seja porque, mesmo no contexto português, há mais mundos para além do futebol (e outras vias, mais inteligentes, para lidar com esse espectáculo admirável que o futebol televisivo também é). Em qualquer caso, uma das respostas possíveis continua a passar pelos valores perenes de uma cultura das imagens que não menospreze os seus vectores genuinamente cinematográficos.
Leio, a propósito, uma notícia anunciando o regresso às salas britânicas de Barry Lyndon (1975), o admirável filme de Stanley Kubrick, inspirado em William Thackeray, sobre a perversa ascensão social de um irlandês, interpretado por Ryan O’Neal, na Inglaterra do século XVIII. Trata-se de uma reposição organizada pelo British Film Institute, em colaboração com a Warner Bros., celebrando o facto de se tratar de um filme com uma dimensão visual a que “só o ecrã de cinema pode fazer justiça”.
Que está em jogo? Menosprezar o consumo caseiro de filmes? Demonizar a importância social da televisão? Nada disso. Acima de tudo, importa preservar uma cultura das imagens que não anule tudo o resto — incluindo, entre outras coisas, o cinema e o conceito de patriotismo — na voragem futebolística da televisão.

Cristiano Ronaldo e o seu microfone


1. No passeio matinal da selecção nacional de futebol, Cristiano Ronaldo foi questionado por um repórter da CMTV — pegou no seu microfone e lançou-o à água.

2. Será esta a melhor atitude do mundo para lidar com a mediocridade jornalística de muitas formas contemporâneas de (não) fazer televisão?

3. Convenhamos que não parece possível definirmos a CMTV como a melhor televisão do mundo. O seu dia a dia faz-se mesmo dos valores (?) do pior jornalismo que conhecemos: fulanização anedótica das notícias, exploração gratuita de eventos a que se sobrepõem rótulos de "choque" ou "escândalo", alarmismo militante, boçalidade especulativa, enfim, histeria populista.

4. Apesar disso — ou por causa disso mesmo —, importa não ceder à obscena mitificação de tudo o que faz Cristiano Ronaldo, lembrando que o rótulo de "melhor jogador do mundo" (mesmo deixando de lado a discussão legítima sobre a sua pertinência futebolística) não é o mesmo que um certificado de irresponsabilidade e infantilismo público.

5. A moral da história é, por isso, inequívoca: o diferendo Ronaldo/CMTV será sempre um divertimento pueril se for descrito e pensado como um momento isolado de triste burlesco; mas mesmo que fiquemos por essa descrição e esse pensamento, importa defender a CMTV contra Cristiano Ronaldo.

terça-feira, junho 21, 2016

A demagogia de Michael Moore (2/2)

De que falamos quando falamos dos EUA? Michael Moore propõe uma visão "europeizada" que, mesmo na sua dimensão mais demagógica, vale a pena discutir — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 Junho), com o título 'O que é a demagogia?'.

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Nos últimos tempos, por razões cuja importância será desnecessário sublinhar, temos tido uma percepção dos EUA fortemente contaminada pelos efeitos mediáticos de um demagogo chamado Donald Trump. Que as coisas nunca são automáticas ou definitivas, prova-o o confronto que podemos estabelecer, agora, com o novo filme de Michael Moore, cineasta que, em tudo e por tudo, é uma antítese de Trump — acontece que E Agora Invadimos o Quê? é um objecto profundamente demagógico.
De que falamos quando falamos de demagogia? Poderíamos responder através da imagem que o filme dá de nós próprios, europeus. De facto, a demonização dos EUA parece colher o seu primeiro e decisivo “argumento” no estado paradisíaco desta nossa Europa — para Moore, as contradições internas da União Europeia só podem ser uma ilusão masoquista.
Não simplifiquemos ainda mais. Sobretudo porque acusar Moore de demagogia não é o mesmo que dizer que ele mente... Os exemplos são muitos, mas há um especialmente significativo. Assim, uma boa parte das imagens que ele nos apresenta do seu próprio país dá a ver cidadãos negros a serem espancados por polícias. Ora, ninguém irá negar a gravidade das formas de discriminação e injustiça que continuam a ferir a unidade simbólica da nação americana. Mas há uma pergunta que fica: porque é que se trata a complexidade de tudo isso através da montagem gratuita de algumas imagens chocantes, omitindo o facto de, melhor ou pior (mas com efeitos muito reais), os EUA terem sido presididos nos últimos oito anos por um homem que, salvo erro, não tem a pele branca? É uma pergunta cinematográfica, entenda-se: não se pode (ou não se deve) reivindicar o cinema como instrumento de discussão política para, depois, o usar como se fosse uma vulgar colecção de spots televisivos.

A IMAGEM: Kurt Markus, 1991

KURT MARKUS
Vogue Hommes, Paris
1991

segunda-feira, junho 20, 2016

"O Clube": futebol ou catolicismo?

Pablo Larraín confirma a singularidade do seu trabalho histórico e cinematográfico com O Clube — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Junho), com o título 'Filme chileno coloca em cena temas e fantasmas da fé católica'.

A ironia é transparente: numa sociedade de raízes profundamente católicas, neste ano da graça de 2016, corremos o risco de sermos afogados pelas peripécias em torno da selecção de futebol, não exactamente por estarmos a reflectir sobre um filme tão admirável como O Clube, do chileno Pablo Larraín [Urso de Prata em Berlim], mergulhando, precisamente, nos temas e fantasmas da fé católica. Há uma maneira muito simples de descrever tal estado de coisas: os valores culturais dominantes deixaram de passar pela oferta cinematográfica, dependendo tão só das narrativas de raiz televisiva.
O assunto é tanto mais delicado quanto a história que se conta em O Clube é, por certo, das coisas mais subtis e também mais perturbantes que, nos últimos tempos, temos podido descobrir no espaço cinematográfico. Assim, o “clube” a que o título se refere é, na verdade, uma casa tão discreta quanto austera, numa praia esquecida do Chile, que foi criada com um fim muito objectivo: recolher padres católicos que cometeram crimes de pedofilia ou, de alguma maneira, se apropriaram de crianças nascidas de mães solteiras. Penetramos em tal universo, começando por tomar conhecimento dos rituais de treino de um cão, a cargo de um dos protagonistas, visando a participação em corridas que se organizam naquela zona. A certa altura, a aparente estabilidade desse microcosmos de muitos silêncios e recalcamentos é abalada pelo aparecimento de um homem que se identifica como alguém que, em criança, foi vítima de um dos habitantes da casa...

A inocência e a culpa

Digamos, sem qualquer equívoco, que Larraín é um cineasta demasiado brilhante para transformar o seu filme numa arena sanguinária de “prós” e “contras” em torno da instituição e valores católicos. Em boa verdade, tal hipótese acabaria por favorecer uma generalização “abstracta” que, em tudo e por tudo, é alheia ao seu programa narrativo. Para além de qualquer anti-clericalismo primário, o que distingue O Clube é a sua concentração obsessiva na claustrofobia de um mundo em que, subitamente, todos os valores adquiridos parecem irremediavelmente desgastados — já nem sobrevive a segurança moral que, em tempos ideais, opôs as noções de inocência e culpa.
Não por acaso, através de alguns detalhes, vamos pressentindo as memórias da ditadura de Augusto Pinochet. Tais memórias constituem matéria fulcral da obra de Larraín, estando na base da trilogia formada por Tony Manero (2008), Post Mortem (2010) e Não (2012). Aquilo que um filme como O Clube questiona não são tanto os crimes de personagens circunstanciais, mas sim a persistência de uma ordem moral que recusa lidar com as suas próprias contradições.
Não é todos os dias que descobrimos, assim, um filme capaz de construir um retrato feito de tantos particularismos geográficos e culturais, ao mesmo tempo lançando ao seu espectador uma interrogação universal. A saber: quais os valores que sustentam uma determinada ordem do mundo? Mais ainda: esses valores são capazes de enfrentar as contradições do ser humano ou limitam-se a enredá-lo numa noção simplista de pureza? Grande filme, grande debate em aberto.

A IMAGEM: Andrey Yakovlev, 2016

ANDREY YAKOVLEV
Under the Open Skies
2016

Anton Yelchin (1989 - 2016)

A sua popularidade ficou a dever-se às versões modernas da saga Star Trek: o actor Anton Yelchin faleceu no dia 19 de Junho, em Los Angeles, quando o seu carro deslizou do local onde estava estacionado, esmagando-o contra uma parede — contava 27 anos.
Nascido na União Soviética, filho de um casal de estrelas do Ballet no Gelo de Leninegrado, Yelchin chegou aos EUA com apenas seis meses. O seu envolvimento com a televisão e o cinema começou ainda criança, tendo surgido, por exemplo, na série ER/Serviço de Urgência (2000), ou em filmes como 15 Minutos, de John Herzfeld, com Robert De Niro, e Alpha Dog (2006), de Nick Cassavetes. Em qualquer caso, o salto decisivo na sua carreira deu-se quando interpretou a personagem de Pavel Chekov no novo Star Trek (2009), de J. J. Abrams; retomaria o papel em Além da Escuridão: Star Trek (2013), de novo sob a direcção de Abrams, e Star Trek: Além do Universo (2016), de Justin Lin, com estreia prevista para este Verão (25 de Agosto em Portugal).
O ano passado esteve em Portugal para rodar Porto, Mon Amour, do realizador brasileiro Gabe Klinger, com produção executiva de Jim Jarmush e coprodução de Rodrigo Areias. Em 2011, nos Hollywood Film Awards, foi distinguido com o prémio de revelação do ano, graças à sua participação em Like Crazy, de Drake Doremus.

>>> Entrevista oficial referente ao filme Além da Escuridão: Star Trek.


>>> Obituário no New York Times.

Bill Richmond (1921 - 2016)

FOTO: Tom Keller / Variety
Vencedor de três Emmys, foi um nome grande do argumento de comédias em cinema e televisão: Bill Richmond faleceu no dia 4 de Junho na sua casa de Calabasas, Califórnia — contava 94 anos.
Baterista de jazz, Richmond acabou por ter a sua carreira transfigurada por um convite de Jerry Lewis para ser co-autor do argumento do seu filme O Homem das Mulheres (1961). Seria a primeira de sete colaborações com Lewis, tendo Richmond ficado ligado a algumas das suas mais admiráveis realizações, incluindo The Nutty Professor (1963) e The Patsy (1964). Em qualquer caso, ainda antes disso, na primeira longa-metragem assinada por Lewis, The Bellboy/Jerry no Grande Hotel (1960), Richmond surgira num pequeno papel, imitando Stan Laurel [video]. A sua carreira de argumentista teria também uma importante faceta televisiva, de novo com Lewis, em The Jerry Lewis Show, e também em The Carol Burnett Show — foi graças a este último programa que ganhou os seus três Emmys, em 1974, 1975 e 1978.


>>> Obituário em The Hollywood Reporter.

domingo, junho 19, 2016

Que televisão europeia?

Como é que a Europa está a encarar (e a gerir) a multiplicação de canais de televisão? — esta crónica foi publicada no Diário de Notícias (17 Junho), com o título 'Perguntas "made in Europa"'.

De acordo com informações do MAVISE (base de dados do Observatório Europeu do Audiovisual), o número de canais a funcionar nos países da União Europeia era, em 2015, de 5370. Contas redondas, isto significa que tal número aumentou 50% desde 2009 (quando existiam 3615 canais).
Que fazer com esses valores? Perante uma tão vasta rede de circuitos audiovisuais, importa perguntar se os agentes e decisores, directa ou indirectamente ligados a tal crescimento, possuem estratégias claras — e, já agora, interessantes — para lidar com as suas implicações. A interrogação está longe de ser abstracta. E coloca-nos perante dúvidas tanto mais concretas quanto escusado será dizer que nenhuma visão nacional (muito menos nacionalista) nos ajudará a lidar com fenómenos que, mais do que nunca, são mesmo globais e globalizantes.
Assim, que pensam as televisões generalistas sobre a lenta, mas metódica, transferência de muitos sectores de consumidores para o sector do cabo? Ou ainda: que ideias têm essas televisões para lidar com o desgaste de muitas formas de ficção e entretenimento que, melhor ou pior, definem há décadas os seus padrões dominantes de programação? Em paralelo, como é que os canais do cabo encaram a especialização que as suas plataformas de difusão podem favorecer?
A encruzilhada não é simples. E não só porque muitos modelos clássicos — da ficção à informação — estão a ser drasticamente questionados. Também porque ninguém tem certezas sobre as configurações a que, no presente e no futuro próximo, corresponde a noção de “espectador de televisão”. Será preciso pensar tudo o que está em jogo, muito para além da perspectiva das entidades que investem na publicidade. Trata-se, ainda e sempre, de ter programas capazes de integrar anúncios; não uma colagem de anúncios em que, por vezes, julgamos vislumbrar um programa.