domingo, abril 03, 2016

Walt Disney, segundo Philip Glass


Usar a ópera como espaço de construção de um retrato, definindo não apenas a figura, mas também o espaço (humano e físico) que a rodeiam, é dispositivo que conta já com 40 anos de vida na obra de Philip Glass. De resto, o seu primeiro conjunto de incursões pelo universo da ópera fez nascer uma trilogia de retratos, juntando ao de Einstein um de Gandhi em Satyagraha (1980) e, pouco depois, um do faraó Akhenatón em Akhnathen. De então para cá assinou ainda retratos para figuras como Galileu Galileu, Kepler, tendo ainda as figuras de Cristóvão Colombo e Ulysses S. Grant como, respetivamente, protagonistas de The Voyage (1990) e Appomattox (2007). Walt Disney é o mais recente destes retratos. The Perfect American tem libreto de Rudy Wurlitzer (que parte do romance de Peter Jungk Der König von America) e encenação de Phelim McDermott e contou nesta sua primeira produção com as vozes de Christopher Purves (Walt Disney), David Pittsinger (Roy) e Donald Kaasch (Dantine), entre outros, frente ao coro e orquestra do Teatro Real de Madrid, dirigidos pelo habitual colaborador Dennis R. Davies.

A ópera mostra-nos Disney como um homem já muito doente que, com a morte pela frente, vive o presente assombrado pelo medo de um futuro em que o seu nome poderá deixar de ser associado à pessoa que ele foi, mas recordado antes pela marca que deixou. Musicalmente o trabalho de composição mantém a busca de relação com um certo lirismo que tem marcado alguma da sua música mais recente (mais na escrita instrumental do que na vocal), não apenas no palco de ópera, mas também nos universos da música de câmara e instrumental.

O maior trunfo desta produção é a encenação (de Phelim McDermott) que explora ideias do cinema de animação em jogos de projeções em ecrãs móveis. The Perfect American, que tinha já conhecido uma primeira edição em DVD e Bly-ray, chega agora a disco num lançamento em dois CD assegurado pela editora do próprio compositor, usando novamente a gravação da produção inicial da ópera. Fazia falta esta edição em CD?

Para quem quer ter a integral das obras do compositor, naturalmente que sim. Porém, despida da brilhante encenação, e longe das obras de teatro musical musicalmente mais entusiasmantes que Philip Glass assinou noutros tempos, acaba por ser um lançamento de necessidade menor (convenhamos que o DVD e Blu-ray já davam, aqui, conta do recado). Com grande parte da sua obra para palco já editada em disco, faltando apenas juntar à discografia algumas das mais recentes óperas de câmara, como The Sound of a Voice (2003) ou The Trial (2014), assim como as duas que criou baseadas em textos de Doris Lessing, ou seja, The Making of the Representative for Planet 8 (1988) e The Marriages between Zones Three, Four, and Five (1997), isto sem esquecer o belíssimo O Corvo Branco (1991), que, sem favor, é mesmo uma das suas melhores óperas, convenhamos que tinha escolhas mais interessantes a fazer na hora de escolher que disco novo poderia lançar pela Orange Mountain Music.