Com o seu novo filme, Três Recordações da Minha Juventude, o francês Arnaud Desplechin confirma-se como uma das vozes fundamentais do actual cinema francês — este artigo foi publicado na revista Metropolis (nº 36), com o título 'Um contador de histórias'.
Se existe uma segunda Nova Vaga francesa, não há dúvida que Arnaud Desplechin é um dos seus mais legítimos representantes. A classificação, obviamente, envolve alguma ironia, quanto mais não seja porque todos os cineastas franceses (a começar por Desplechin) têm consciência de que os tempos heróicos de revelação de Godard, Truffaut, Rivette, etc. não se repetem... Acontece que, das experiências da década de 60, ficou um valor que pode (e deve) ser sempre actualizado. A saber: a necessidade, simultaneamente estética e política, de questionar a retórica das formas narrativas dominantes, abrindo caminho a novas temas e personagens, quer dizer, a outras maneiras de contar histórias.
Nascido em Roubaix, no norte de França, a 31 de Outubro de 1960, Desplechin [foto] distingue-se, justamente, como contador de histórias. Desde o primeiro momento, desafiando as fronteiras clássicas entre o visível e o invisível, a vida e a morte: o seu primeiro filme chama-se mesmo La Vie des Morts (1991) e lida com uma personagem suicida, seguindo-se La Sentinelle (1992), crónica paradoxal, exuberante e fúnebre, sobre a Europa depois da Queda do Muro de Berlim.
A certa altura da sua carreira, Desplechin experimentou rodar um filme em língua inglesa: Esther Kahn (2000), notável retrato dramático de uma jovem, em Londres, em meados do século XIX, tentando concretizar o sonho de ser actriz. Protagonizado por Summer Phoenix (irmã mais nova de River Phoenix e Joaquin Phoenix), o certo é que o filme não implicou qualquer viragem significativa na trajectória do realizador que, ainda assim, voltou a filmar em inglês com Jimmy P.: Realidade e Sonho (2013), abordando a singular relação entre um homem de origem índia, traumatizado pela participação na Segunda Guerra Mundial, e um psicanalista (interpretados, respectivamente, por Benicio Del Toro e Mathieu Amalric).
De uma maneira ou de outra, Desplechin tem sido um observador metódico das alegrias e angústias dos mais diversos universos familiares, sendo os seus dois títulos mais conhecidos — Reis e Rainha (2004) e Um Conto de Natal (2008) — manifestações exemplares da sua vocação. Sem esquecer que, como atesta a sua longa-metragem mais recente, Três Recordações da Minha Juventude (2015), ele é, em última instância, um retratista das diferenças geracionais. Coincidência ou não esse foi também um tema visceral de muitos filmes da Nova Vaga.