Em Lisbon Revisited, Edgar Pêra filma Lisboa a partir das palavras de Pessoa, desafiando os limites correntes do cinema a três dimensões — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Fevereiro), com o título 'A dança da felicidade'.
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No cinema, como o próprio Edgar Pêra reconhece, a noção de “experimentalismo” pode ser uma armadilha. Acima de tudo, creio que não faz sentido usá-la como caução para definir algo que estaria “à frente” de qualquer outro trabalho rotulado de mais tradicional ou apenas desfrutando de maior evidência mediática. Por mim, confesso, há muitos anos que reconheço em alguns produtos vindos do coração de Hollywood uma invenção e um sentido de risco infinitamente mais ricos que certas “vanguardas” que disfarçam mal o seu academismo e auto-complacência.
Isto para dizer que Lisbon Revisited, seja qual for o rótulo que lhe queiramos colocar, constitui uma fascinante experiência de cinema. A sua revisitação das palavras de Fernando Pessoa atrai uma estranheza (que se entranha, como diria o poeta) capaz de integrar um desarmante efeito de reconhecimento: vamos identificando algumas referências emblemáticas da cidade de Lisboa, ao mesmo tempo que a dança feliz das imagens e dos sons (Pêra é também, à sua maneira, um obsessivo cineasta da escuta) nos projecta num universo alternativo e libertador.
Dizer que Lisbon Revisited desafia as fronteiras convencionais de documentário e ficção, sendo verdade, acaba por ser francamente insuficiente. Porquê? Porque estamos para além de um cinema estruturado por géneros ou temáticas. Este é um objecto cinematográfico consciente da impossibilidade de “reproduzir” o que quer que seja, apostado antes em viver, pensar e repensar o que pode resultar da relação de um olhar humano com a herança de um poeta. Mais ainda: em tal projecto, o 3D não é um “gadget”, mas um genuíno instrumento filosófico: vemos o que dizemos ver ou imaginamos o que julgamos ver? A experiência envolve-nos numa surpresa tecida de serenidade.