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1. Os espaços de debate em torno das eleições presidenciais de 24 de Janeiro têm sido dominados por mecanismos simplistas de fulanização. Paradoxalmente, Marcelo Rebelo de Sousa, especialista nessa arte de reduzir a política a convulsões "psicológicas" dos seus protagonistas, tem sido especialmente visado por tal tipo de discurso, agora vindo dos outros candidatos — na mais cândida inconsciência, esses candidatos limitam-se a caucionar a visão do mundo (político) segundo Marcelo, além do mais reduzindo a eleição do mais importante magistrado da nação a um problema de "confiança" ou "desconfiança".
2. Neste quadro, a posição do Partido Socialista envolve algumas ambivalências bem típicas da fragilidade orgânica — e também da pobreza ideológica — da conjuntura política portuguesa. Incapaz de expressar o seu apoio institucional num candidato preciso, o PS vai sustentando um patético discurso oficial de denegação: no limite, para o PS, tudo se passa como se não fosse possível apoiar Marcelo porque... há dois candidatos de algum modo ligados ao PS (daí a caricata proliferação de apoios "individuais" de militantes do PS a Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa).
3. Há outra maneira de dizer isto: o único candidato que, realmente, interessa ao PS é Marcelo Rebelo de Sousa.
4. Em nome da mais básica realpolitik, António Costa é o primeiro a saber que a vitória de uma personalidade próxima do PS só potenciaria as divisões internas do seu partido, abrindo novas frentes de combate, em tudo e por tudo destrutivas na actual conjuntura de governação. Por maioria de razão (e mesmo que a questão se coloque num plano meramente teórico), a vitória de um candidato do BE ou do PCP contribuiria para introduzir ainda mais tensão no "acordo parlamentar" estabelecido com esses partidos, à partida ferido pelas ilusões de uma "esquerda" cuja simples caracterização ideológica já nem consegue encontrar cauções em nenhum "socialismo" minimamente abrangente.
5. Marcelo Rebelo de Sousa em Belém trará ao governo de Costa o bem-vindo lastro de um persistente conflito potencial que, no jogo de simulacros da política, lhe servirá para condicionar os seus "aliados" tão arduamente mobilizados através da miragem conceptual da "esquerda". Ao mesmo tempo, Marcelo como Presidente é a única esperança do PS para transformar a ressaca de PSD e CDS em formas de "diálogo" capaz de respeitar os "superiores interesses da Nação".
NOTA - Não deixa de ser bizarro que, no meio da entediante avalancha de debates, análises e contra-análises, ninguém puxe para a frente um dos poucos dados óbvios que se podem deduzir das sondagens. A saber: que as percentagens de intenção de voto em Marcelo só são possíveis com a inclusão de muitos eleitores que votaram PS.