terça-feira, dezembro 15, 2015

"Só se vive uma vez" [Sinatra]

Sendo essencialmente musical, a herança de Frank Sinatra é também subtilmente cinematográfica — este texto foi publicado no Diário de Notícias, a 12 de Dezembro, dia do centenário do nascimento de Sinatra.

Em 1967-68, Frank Sinatra protagonizou três policiais dirigidos por Gordon Douglas: Tony Rome Investiga, O Detective e Uma Mulher no Cimento. Retrospectivamente, tais títulos adquirem uma paradoxal clareza: por um lado, com ou sem espiões, tratava-se de rentabilizar a moda das aventuras de James Bond (surgidas em 1962); por outro lado, a postura cinematográfica de Sinatra, não disfarçando a sua idade, sublinhando o desencanto existencial das suas personagens, favorecia uma ambiguidade moral que, em última instância, o distanciava das regras correntes do entertainment.
Nesse misto de moda e anti-moda residirá, provavelmente, o enigma de um fascínio que a passagem dos anos (para além da sua própria morte) foi intensificando. Na música como no cinema, Sinatra impôs-se como autor da sua própria narrativa, não um mero peão do sucesso ou da mitologia — será preciso recordar que a canção My Way ficou como o hino pessoal dessa trajectória?
Voltando a escutar a imaculada métrica de Come Fly With Me ou revendo-o num filme como O Homem do Braço de Ouro (1955), observamo-lo através de uma drástica nostalgia. Não é, entenda-se, a nostalgia marcada pelas estratégias do marketing, sempre empenhadas nessa suave chantagem emocional e política que consiste em sugerir que perdemos uma “inocência” que, em tempos mais ou menos remotos, outros tiveram. É, isso sim, uma nostalgia que nos leva a duvidar da grandeza de alguns modelos de sucesso aliados aos eventos mais ou menos virtuais que passaram a determinar grande parte dos nossos gestos quotidianos. Sem esforço aparente, Sinatra era concreto e abstracto, literal e simbólico, corpo e alma. Ele o disse, com a elegância de um sempre contido sarcasmo: “Só se vive uma vez — da maneira que eu vivo, é quanto basta.”