quinta-feira, dezembro 03, 2015

A montanha de Salaviza

A estreia de João Salaviza na longa-metragem prolonga, de forma coerente e consistente, o seu trabalho nos formatos mais curtos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Novembro), com o título 'Jovens e adultos de Lisboa'.

Ao estrear-se na longa-metragem, com Montanha, João Salaviza retoma temas e personagens das suas curtas, em particular Arena (2009) e Rafa (2012). Em cena está uma juventude desamparada, vivendo não apenas numa carência de figuras adultas de referência, mas também compelindo os mais novos a assumir funções de paternidade simbólica. A história tocante de David (David Mourato) oscila entre o distanciamento dos pais e a angústia gerada pela situação, que ele sabe irreversível, do avô hospitalizado.
Contornando as exigências de uma narrativa articulada de modo tradicional, a câmara de Salaviza interessa-se, em especial, pela presença dos corpos, num dramatismo poético que, afinal, se enraíza numa metódica atenção realista. Particularmente importante é também o modo como as zonas sem “glamour” da cidade de Lisboa nos são mostradas como primeira e decisiva personagem. Montanha deixa, assim, uma interrogação de exemplar valor pedagógico: como encenar figuras e relações humanas que, há muito tempo, são reduzidas ao pitoresco pela formatação das telenovelas?