sexta-feira, novembro 20, 2015

Memórias de uma noite no Le Bataclan


É natural que o Le Bataclan seja um dia lembrado pela história não através da música que por aquela sala parisiense passou, mas pelo massacre que a 13 de novembro ali ceifou a vida a muitos que assistiam a um concerto dos Eagles of Death Metal. Há contudo outras noites na história desta sala que convém não esquecer. Até para contrariar o desejo daqueles que lançam o terror: o de que façamos o silêncio sob um clima medo. Para contrariar o silêncio e mostrar que o medo é na verdade mais sonoro junto de quem teme a cultura, recordemos uma noite no Le Bataclan. Uma noite única, em 1972…

Entre as muitas noites de música que a sala no número 50 do Boulevard Voltaire em Paris viveu há de facto uma que representa um episódio único de pontual reunião de três figuras que, alguns anos antes, tinham gravado um dos álbuns mais influentes de todos os tempos.

Editado em 1967, The Velvet Underground and Nico lançava uma série de sugestões e ideias que, como poucos outros discos o conseguiram fazer, criou um vasto mundo de descendências, ainda hoje sendo evidente a sua força como fonte de inspiração. Não é por acaso que se fala tanto daquela ideia, atribuída a Brian Eno, que conta que poucos poderão ter sido os que compraram a primeira edição do álbum de estreia dos Velvet Underground, mas que todos eles terão depois formado uma banda…

Em 1972 os Velvet Underground eram uma banda já descaracterizada e moribunda, tendo pela frente apenas o álbum (menor) Squeeze, que seria editado em 1973, no qual já só participariam Doug Youle e alguns músicos de estúdio… Nico tinha sido a primeira a sair, não participando já no segundo álbum. Depois afastou-se John Cale… E Lou Reed manteve as rédeas da banda nas suas mãos até editar Loaded… E em abril de 1970 é a sua vez de bater com a porta.

Nos primeiros dias de 1972 correm rumores que cruzam nomes antes ligados aos Velvet Underground. Lou Reed estava em Londres a gravar aquele que, meses depois, seria o seu primeiro álbum a solo. John Cale estava a trabalhar em sessões de gravação com a Royal Philharmonic Orchestra. E de Nico, que então vivia com o realizador Philippe Garrel, dizia-se que estaria em Paris a trabalhar num possível quarto álbum em nome próprio.

Cale tinha uma data agendada no Le Bataclan. E após alguns ensaios, de que são conhecidos registos gravados, no dia 29 de janeiro os três juntam-se ali perante uma plateia de mil pessoas, tendo o jornal britânico Melody Maker então noticiado que o dobro da multidão na sala teria ficado na rua, sem bilhete.

Ao contrário do que era habitual nos Velvet Underground o concerto revelou uma tranquila noite acústica, pela qual passaram não apenas canções que tinham gravado com a sua antiga banda, como temas que entretanto representavam experiências posteriores. O concerto ordenou as canções em três blocos, o primeiro cabendo a Lou Reed (que cantou temas como I’m Waiting For The Man, Heroin ou Berlin, a que chamou a sua canção a la Barbra Streisand), o segundo a John Cale (com Ghost Stories, Empty Bottles e The Biggest Loudest Hariest Group of All, que nunca teve depois versão em estúdio) e o terceiro a Nico (com Femme Fatale e No One is There, entre outras). No fim esta, embora cansada, promete mais uma canção ainda, cantando I’ll Be Your Mirror, juntando-se todos eles, depois, em All Tomorrow’s Parties.

Um concerto semelhante em Londres chegou a ser falado na imprensa mas não se materializou. Imagens desta noite em Paris chegaram aos pequenos ecrãs no programa de televisão Pop Deux.