domingo, outubro 11, 2015

Fátima Lopes por Cristina Ferreira

As líderes do populismo televisivo gostam de se expor em cenários que, de acordo com os valores do seu sistema ideológico, correspondem a uma espécie de promoção aristocrática. Instaladas em tão sedutor contexto, discorrem, com muitos risos e sublinhados de satisfação [video], sobre as glórias profissionais, a vida familiar e a sexualidade (incluindo uma revolucionária profilaxia medicinal: "faz bem a tudo, até à pele"), sem esquecer esse magno lugar-comum de todas as demagogias mediáticas que é ser "uma mulher como as outras".


Sem surpresas. Ainda assim, a celebração jornalística de Fátima Lopes por Cristina Ferreira consegue uma proeza que, devo confessá-lo com humildade, transcende todas as minhas expectativas.
Compreendo que haja uma homogeneidade televisiva e discursiva que tenha feito com que, no plano da simbologia afectiva, o universo de Cristina Ferreira surgisse, por exemplo, como a primeira plataforma de lançamento da candidatura presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa. Em todo o caso, chamar "bomba" a Fátima Lopes constitui um assinalável feito semiológico. Trata-se, afinal, de deslocar uma palavra (bomba) do seu mais convencional contexto machista, fazendo-a funcionar como bandeira de um universo habitado e conjugado por mulheres, para mais apresentando-se como suprema exaltação de um ideal feminino — ideal que se projecta, e nos projecta, em utópicos territórios onde é possível imaginar coisas tão redentoras como "um sabonete que hidrata e deixa na sua pele um vestido de seda".
Eis um bom tema para as mulheres do Bloco de Esquerda, se tiverem algum intervalo disponível na conversão do seu ódio ao Partido Socialista em tocante namoro para maior glória da "esquerda" — em boa verdade, eis um bom tema para qualquer partido político, de "esquerda" ou "direita", quando, por milagre, se esforçarem por articular alguma ideia sobre os valores mediáticos e televisivos a que o nosso povo está sujeito.