A. A propósito da capa do nº 7 da revista Cristina, com Joana Amaral Dias, ficamos a saber que a sua criadora, Cristina Ferreira, para além de esforçada princesa da felicidade televisiva, é também autora de uma elaborada filosofia sobre as fronteiras da expressão individual. Escreve ela: "Como é que os pares de Joana Amaral Dias reagirão ao facto de uma política surgir nua, grávida, na capa de uma revista? Em Portugal, esta situação é inédita. E, por isso mesmo, um risco."
B. Não é muito provável que os "pares de Joana Amaral Dias" tenham muito a dizer sobre o assunto, a não ser que alguém lhes coloque um microfone ameaçador à frente (método que, em qualquer caso, ninguém pratica nas televisões portuguesas). Seja como for, a acreditar no ineditismo da situação, Cristina Ferreira evoca várias importantes componentes identitárias — trabalhar em política, ser fotografada sem roupas, estar grávida e aparecer na capa de uma revista — para concluir que a soma de tudo isso é um "risco".
Infelizmente, tão fina argumentação peca por defeito, já que não esclarece qual o factor decisivo, capaz de justificar o reconhecimento da situação a que chama arriscada (não parecendo, em qualquer caso, que o risco conceptual provenha da circunstância de a pessoa fotografada surgir acompanhada por uma figura masculina). Será que o risco decorre apenas do facto de alguém estar na política como, aparentemente, acontece com milhares de outras pessoas? Ou o problema envolve a figuração da nudez, acontecimento raríssimo na história da humanidade e, como toda a gente sabe, desconhecido na idade da Internet? Estará em causa essa coisa bizarra que consiste em gerar um ser humano no ventre, fenómeno que a nossa memória colectiva tinha rasurado, maravilhados que estamos com as proezas da gestação in vitro? Ou será que Cristina Ferreira, evitando os equívocos da falsa modéstia, está apenas a querer dizer-nos que é um risco aparecer, não na capa de uma revista qualquer, mas na capa da sua revista? — eis um tema fracturante da sociedade portuguesa que, por certo, merecerá a devida avaliação por parte do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, et pour cause.
Infelizmente, tão fina argumentação peca por defeito, já que não esclarece qual o factor decisivo, capaz de justificar o reconhecimento da situação a que chama arriscada (não parecendo, em qualquer caso, que o risco conceptual provenha da circunstância de a pessoa fotografada surgir acompanhada por uma figura masculina). Será que o risco decorre apenas do facto de alguém estar na política como, aparentemente, acontece com milhares de outras pessoas? Ou o problema envolve a figuração da nudez, acontecimento raríssimo na história da humanidade e, como toda a gente sabe, desconhecido na idade da Internet? Estará em causa essa coisa bizarra que consiste em gerar um ser humano no ventre, fenómeno que a nossa memória colectiva tinha rasurado, maravilhados que estamos com as proezas da gestação in vitro? Ou será que Cristina Ferreira, evitando os equívocos da falsa modéstia, está apenas a querer dizer-nos que é um risco aparecer, não na capa de uma revista qualquer, mas na capa da sua revista? — eis um tema fracturante da sociedade portuguesa que, por certo, merecerá a devida avaliação por parte do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, et pour cause.
C. Em boa verdade, podemos supor que Cristina Ferreira está apenas, humildemente, a celebrar o seu esplendoroso projecto estético e ético, tão pedagogicamente apostado na inventariação dos riscos do seu tempo. Se a conjugação dos astros assim o permitir, talvez tudo possa vir a acontecer um pouco como na aventura temporal deste quadro de Pierre-Auguste Renoir, datado de 1883. Quase um século e meio depois, a senhora retratada ficou reduzida a uma comovente designação abstracta: Rapariga Sentada. O certo é que, fracos como somos, todos citamos religiosamente o referido Renoir, reconhecendo-o como membro de um panteão artístico que, num dos próximos séculos, integrará também o nome de Cristina Ferreira — quando já não for arriscado.