sexta-feira, julho 24, 2015

Pedro Costa, Miguel Gomes & etc.

Alguns filmes portugueses (re)afirmam-se em contextos internacionais: o assunto merece ser valorizado para além dos clichés mais medíocres — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 Julho), com o título 'A globalização dos filmes portugueses'.

Alguns filmes portugueses continuam em destaque nos circuitos internacionais. Assim, por exemplo, antecedendo a estreia de Cavalo Dinheiro nos EUA (dia 24), está a decorrer em Nova Iorque, na Film Society Lincoln Center, uma retrospectiva integral dos filmes de Pedro Costa; o texto oficial de apresentação do evento conclui dizendo que “temos orgulho em apresentar um mostra global do universo cinematográfico deste mestre contemporâneo”. Entretanto, a trilogia de Miguel Gomes, As Mil e uma Noites, depois de ter passado na Quinzena dos Realizadores, em Cannes, é um acontecimento na actualidade cultural francesa (o primeiro volume chegará às salas portuguesas a 27 de Agosto).
Vale a pena atentarmos nestes ecos que chegam do estrangeiro. Quanto mais não seja porque continua a não ser possível referi-los sem atrair a demagogia dos discursos que gostam de proclamar que há um “certo” cinema português que só é feito para funcionar em alguns circuitos internacionais...
Não é fácil lidar com tal disparate, quanto mais não seja porque desfruta de um imenso poder mediático. Recorde-se a avalanche de elogios que enquadraram a notícia da morte de Manoel de Oliveira: desde os mais hipócritas membros da cena política até aos mais exaltados repórteres televisivos, muitos se chegaram à frente para dar conta de uma religiosa reverência pela sua obra... Subitamente, foram rasurados anos e anos de difamação automática dos filmes de Oliveira, como se a santificação do trabalho artístico (seja de quem for) correspondesse a uma maneira inteligente de sustentar uma genuína vida cultural.
Não creio, de facto, que fossemos mais felizes e solidários por pensarmos todos o mesmo sobre os mesmos filmes (portugueses ou não). A questão nunca foi essa. Acontece que seria interessante compreender porque é que a produção cinematográfica portuguesa deixou de ser uma opção regular de consumo de muitos sectores da nossa população.
Escusado será dizer que há um sem número de factores que, desde a reconversão da vida urbana até aos problemas financeiros, influencia a dinâmica (ou a falta dela) de qualquer zona do chamado “mercado cultural”. Em todo o caso, vale a pena continuar a enunciar a pergunta mais básica: uma população há quarenta anos servida (?) pela formatação narrativa das telenovelas poderá gerar algum colectivo estável de consumo de filmes portugueses?
Poucos cineastas têm mostrado algum empenho em lidar com tal pergunta, enquanto, por regra, os políticos (de todas as direitas e esquerdas) fazem gala em ignorá-la. Daí o simples destaque que estas linhas envolvem: nenhum filme português é mais (ou menos) digno por causa da sua ressonância para além das nossas fronteiras. Só que falar de globalização é também não esconder este fenómeno: alguns dos nossos filmes mais íntimos (como são os citados) há muito superaram os limites definidos por tais fronteiras — algo da nossa identidade passa por tal fenómeno.