terça-feira, junho 09, 2015

Visita ao Museu Bonnard (1/2)

O Almoço — Marthe Bonnard e Jean Terrasse
1916
Um pouco ao norte da zona nuclear do Festival de Cannes, é possível visitar o museu dedicado a Pierre Bonnard — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 Junho), com o título 'Pierre Bonnard ou a arte de viver a pintura'.

Chega-se ao Museu Bonnard a partir da zona do Palácio dos Festivais, em Cannes, seguindo mais para norte, ao longo dos cerca de dois quilómetros do Boulevard Carnot (e, depois, através do seu prolongamento no Boulevard Sadi Carnot). É, aliás, um trajecto obrigatório para muitos frequentadores do festival de cinema, quer de manhã, quer ao fim do dia, uma vez que essa é uma zona privilegiada de apartamentos e hotéis.
A exposição de uma dezena de obras inéditas de Pierre Bonnard corresponde a um momento especialmente significativo para o museu . De facto, esta é uma instituição muito jovem (a abertura oficial ocorreu a 25 de Junho de 2011) cuja existência transcende a função tradicional de recolha e preservação. O museu nasceu também para devolver o nome de Bonnard à Côte d’Azur, uma vez que foi aí que ele passou uma parte muito significativa dos seus anos finais, tendo falecido a 23 de Janeiro de 1947 (contava 79 anos) na sua propriedade de Le Cannet, ao norte de Cannes.
O Museu Bonnard situa-se, precisamente, em Le Cannet. Não existe nenhuma fronteira clara entre Cannes e Le Cannet, uma vez que a zona é toda densamente habitada. Em qualquer caso, o edifício do museu situa-se numa área mais “provinciana”, menos marcada pelos sinais típicos da actividade turística, com prédios baixos de janelas protegidas por portadas de maneira e jardins coloridos, interiores e recatados, reflectindo algo da atmosfera que fascinou o pintor.
Uma das revelações mais importantes desta exposição, o quadro intitulado O Almoço – Marthe Bonnard e Jean Terrasse, datado de 1916, é anterior às estadias regulares na zona de Cannes (foi em 1926 que Bonnard adquiriu uma casa na parte montanhosa de Le Cannet, que baptizou “Le Bosquet”). Dir-se-ia que Bonnard antecipou os modelos de composição cinematográfica que, no começo da década de 50, triunfariam através do CinemaScope. Trata-se, de facto de uma pintura eminentemente horizontal, com a largura quase a duplicar a altura (67x122 cm). O olhar é solicitado a percorrer dois pólos de luz — à esquerda, o rosto de Marthe, companheira de Bonnard desde 1893 até à sua morte, em 1942, e a clareira do jardim que pressentimos à direita —, descobrindo uma complexa textura cromática cujo centro, mais escuro, é a figura de Jean Terrasse, sobrinho do pintor.