quarta-feira, junho 10, 2015

O filme de Oliveira para a EDP

Foi agora revelado o filme 1 Século de Energia, o filme que Manoel de Oliveira ainda concebeu a partir de uma encomenda da EDP — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Junho), com o título 'Manoel de Oliveira ainda nos legou um filme pleno de energia'.

A curta-metragem O Velho do Restelo (2014) não ficará como o derradeiro título da filmografia de Manoel de Oliveira (falecido a 2 de Abril). Será preciso acrescentar-lhe 1 Século de Energia (assim mesmo, com o algarismo “1” em orgulhosa evidência), outro pequeno filme, este rodado para integrar uma campanha institucional da EDP.
De acordo com uma nota de imprensa divulgada pela EDP, Oliveira, embora com limitações, ainda acompanhou o projecto: “aprovou todo o storyboard, supervisionou todos os planos de filmagem, mas não chegou a pós-produzir as imagens”. Enfim, o menos que se pode dizer é que estamos perante 15 fascinantes minutos de cinema, manifestando uma energia (a palavra vem muito a propósito...), uma capacidade de invenção e uma alegria criativa que nos fazem pensar num cineasta feliz, no auge da juventude.
Manoel de Oliveira
(FOTO: Miguel A. Lopes)
Aliás, a questão da circularidade do tempo é central em 1 Século de Energia (como era, obviamente, no filme póstumo Visita ou Memórias e Confissões, datado de 1982 e recentemente revelado pela Cinemateca Portuguesa). Tudo passa pela evocação de Hulha Branca (1932), rodado um ano depois de Douro, Faina Fluvial. Aí, Oliveira filmava a barragem hidroeléctrica do Ermal, no rio Ave, fundada por seu pai, Francisco José de Oliveira (proprietário da primeira fábrica de lâmpadas portuguesa). Agora, o cineasta regressa às imagens do seu filme, contrapondo-lhes registos contemporâneos dos mesmos locais, num ziguezague narrativo que está longe de ser meramente descritivo, funcionando antes como a criação de um tecido de eventos que oscila entre o efeito documental e a pura celebração da vocação mágica do cinematógrafo.
Trata-se de registar as formas de continuidade e ruptura na evolução das formas de energia (hidríca, eólica, solar), afinal a partir de um poder figurativo que é visceralmente cinematográfico. 1 Século de Energia começa, aliás, no cenário da Casa de Serralves (lembrando algumas imagens de outros filmes de Oliveira, em particular Inquietude, rodado em 1998), com a performance de uma “família de músicos”, até que a câmara se desvia para a direita, descobrindo as imagens de Hulha Branca projectadas numa parede... Vogamos no interior do cinema como exercício lúdico de prestidigitação. Mais tarde, surgirá ainda uma “família de bailarinas”, num jogo entre real e surreal que, além do mais, confirma como Oliveira foi, a par de Fernando Lopes, um dos génios da montagem no interior do cinema português.
O filme [disponível no final deste post] integra-se numa campanha que envolverá um prémio de “100 anos de energia grátis” para uma família de clientes da EDP. Está também prevista uma série de apresentações de 1 Século de Energia em várias cidades, utilizando como ecrã as fachadas dos edifícios das respectivas câmaras municipais. É isto que faz de Oliveira um mestre: o amor pelo cinema como labor de permanente redescoberta.