sábado, junho 06, 2015

A odisseia de um quadro de Klimt

Na vaga de filmes que abordam as histórias esquecidas da Segunda Guerra Mundial, Mulher de Ouro retraça a odisseia de um célebre quadro de Gustav Klimt — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Junho), com o título 'A guerra para além da guerra'.

Um filme como Mulher de Ouro, de Simon Curtis, não pode deixar de evocar a memória muito próxima de The Monuments Men – Os Caçadores de Tesouros (2014), interpretado e dirigido por George Clooney. Em ambos encontramos o mesmo facto histórico: o roubo de muitos milhares de obras de arte pelos nazis. No primeiro, o clima é de dramática urgência: ainda em plena guerra, um grupo de oficiais dos Aliados tenta recuperar essas obras, nalguns casos ameaçadas de destruição; no segundo, a partir de uma acção iniciada em 1998, somos confrontados com um labirinto de questões éticas e judiciais em torno de um quadro de Gustav Klimt [Retrato de Adele Bloch Bauer I].
Numa opção feliz, o filme de Curtis abre com uma encenação da produção do próprio quadro, mostrando o pintor a aplicar uma folha de ouro na tela. Assim se estabelece um laço, de uma só vez material e simbólico, entre o trabalho de Klimt e as convulsões legais protagonizadas por Maria Altmann (Helen Mirren) e o seu advogado E. Randol Schoenberg (Ryan Reynolds).
Mesmo considerando que Mulher de Ouro obedece a um modelo de narrativa relativamente convencional, por vezes previsível, o certo é que o filme confirma a importância de um fenómeno que foi adquirindo especial significado através de filmes como Lore (2012), de Cate Shortland, ou Ida (2013), de Pawel Pawlikowski, sem esquecer os sinais premonitórios que já se encontravam no admirável O Bom Alemão (2006), de Steven Soderbergh. Estamos, de facto, perante uma reavaliação das memórias da Segunda Guerra Mundial que tende a secundarizar as cenas de combate para nos revelar experiências singulares de personagens arrastadas pelo turbilhão da história. Num tempo tão marcado por estereótipos de “super-heróis”, o cinema revaloriza, assim, os mais clássicos valores humanistas.