Ben Affleck e Matt Damon 23 Março 1998 |
É mais um caso sintomático da deriva de talentos cinematográficos para o espaço televisivo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Abril), com o título 'Hollywood na televisão'.
Tempos houve em que a actualidade do audiovisual era dominada por essa “coisa” esquisita que dá pelo nome de cinema. Eram, em particular, valorizadas as notícias de novas colaborações entre um determinado actor e um realizador, ou da reunião de uma grande estrela masculina com uma grande estrela feminina... Agora, a monotonia instalou-se e, na melhor das hipóteses, recebemos mails, dia sim, dia não, com novos cartazes, trailers ou teaser-trailers da mais recente produção da Marvel Studios, afogando o planeta inteiro através das peripécias que vai extraindo do seu baú de super-heróis...
As coisas mudam, como diria o grande David Mamet (que não é, definitivamente, o alter-ego de nenhum super-herói). E muitas notícias que envolvem, realmente, novos projectos artísticos de gente que associamos ao universo do cinema vêm do lado da... televisão. Uma das mais recentes possui um desconcertante valor simbólico. São seus protagonistas Matt Damon e Ben Affleck: a dupla de actores (sendo Affleck também realizador) vai partilhar a autoria do argumento de Incorporated, série futurista de espionagem destinada ao canal televisivo SyFy.
Na verdade, a posição de Damon/Affleck na linha da frente de Hollywood foi conquistada através do argumento: foram eles que escreveram o belíssimo Good Will Hunting/O Bom Rebelde (1997), de Gus Van Sant, trabalho que, aliás, lhes valeu o Oscar de melhor argumento original (eram também os nomes principais do elenco, juntamente com Robin Williams).
Que os encontremos, agora, a liderar um projecto especificamente televisivo, eis um sintoma esclarecedor de uma conjuntura em que as fronteiras práticas, técnicas e conceptuais são cada vez mais porosas. Escusado será dizer que tudo isso decorre de uma agilidade de produção que começa num entendimento da ficção televisiva que está muito para além da dependência financeira de formatos repetidos e repetitivos — é uma boa lição de abertura artística e, sobretudo, de saudável aposta na diversificação da oferta.