quarta-feira, dezembro 03, 2014

Música em luta contra o VIH (3)



Numa altura em que se aproxima o 25º aniversário de Red Hot + Blue, e numa semana que assinala a passagem de mais um dia mundial de luta contra a sida, falámos com o homem que, desde então, está à frente dos destinos da Red + Hot Organization, uma organização que tem lutado contra a doença e feito alertas contra o VIH com a música como ponto de partida. John Carlin, faz assim uma história de quase um quarto de século de música nascida com uma causa.

A Red + Hot surgiu especificamente para editar o álbum Red Hot + Blue?
Eu integrava o mundo das artes em Nova Iorque nos anos 80 como autor, curador e professor universitário. Foi esse o meu background cultural, num mundo profundamente afetado pela sida. Muitos dos que conhecia – e entre os mais conhecidos estaria o Keith Haring – morreram. Um terço das pessoas que eu conhecia naquela altura morreram. Eu não conseguia ganhar o suficiente no mundo da arte por isso voltei a estudar. E fui estudar direito e acabei a trabalhar como advogado na área do entretenimento em 1988/89. Estava então a trabalhar num grande escritório de advogados em Nova Iorque e um dos clientes fez uma grande campanha na qual conseguiu a colaboração de pessoas famosas para recolher fundos para uma organização de luta contra a sida. Eu tinha já uma frustração e uma ira em mim por causa da epidemia e tive a ideia de criar o que acabou por ser a Red Hot. Ou seja, partir de canções de Cole Porter, criar novas versões e trazê-las para novas gerações. Fiz isso com o Lee Blake, com quem ainda hoje trabalho. Não íamos necessariamente criar uma organização, mas antes fazer um projeto. Foi um projeto difícil. Mas artisticamente compensador e que conseguiu atingir os seus objetivos de recolha de fundos. Bem diferente do que aconteceria com o seguinte. 

O Red Hot + Dance?
O segundo projeto, Red Hot + Dance foi mais um híbrido e não estava a funcionar muito bem. Hoje vejo que estávamos um pouco à frente do tempo, com a ideia das remisturas... 

Mas tiveram um single novo do George Michael...
Sim, isso aconteceu. Queríamos chegar ao público das discotecas, onde estava a epidemia. O manager do George Michael ligou-me a dizer que ele queria colaborar e disse que tinha três novas canções e que as queria doar à Red Hot. O disco acabou por ser mais um conjunto de remisturas, umas boas outras nem tão boas. E tinha o Too Funky, que acabou por ser um tema com impacte mundial.

E um desenho de Keith Haring na capa...
Exacto. Ele já tinha morrido por essa altura. Mas quem detinha os direitos da sua obra, achou que faria sentido usar um desenho dele. Ainda por cima porque o Keith gostava muito de música.

Os discos que se seguiram foram mais focados em géneros musicais específicos. A cena indie no No Alternative, o Red Hot and Country e o Stolen Moments, que focou atenções no universo do jazz hip hop...
Há uma explicação social... A Red Hot é uma ONG que tem como missão chamar atenção para as questões levantadas pela sida. Alguns desses discos representaram maneiras de tentarmos chegar a públicos específicos e de como chamar a sua atenção e tentar agir sobre o seu comportamento. O sucesso de Red Hot + Blue foi um bocado como pregar aos já convertidos. Porque nessa altura os homens gay no mundo industrializado se não soubessem o que era o sexo seguro estavam em modo de auto-destruição. Então pensámos primeiros nos miúdos que vão às discotecas. Depois o disco country, que saiu quase em simultâneo com o Stolen Moments. E aí estávamos a lidar com comunidades muito homofóbicas: as do hip hop e da country. Por isso era importante fazer os discos. Com o No Alternative foi uma tentativa de chegar aos estudantes universitários, encorajando-os a explorar a sua sexualidade, mas alertando para estas questões e realidades. Ao mesmo tempo há uma resposta também musical para estas opções. Há a minha curiosidade musical. Gosto de todos os géneros de música... A country não seria uma música que fosse escutar por mim mesmo... Mas o disco tem momentos interessantes e diferentes. Para mim foi o momento em que conheci Johnny Cash e outras lendas da música americana. O disco poderia ter tido um grande sucesso, mas a homofobia no mundo da música country inibiu as vendas. As rádios de música country não o passavam, apesar de ter artistas muito populares. 

E como reagiu a comunidade latina a Silencio = Muerte: Red Hot + Latin?
Ninguém estava a fazer nada assim na luta contra a sida no mundo latino. Mas é uma questão significativa nessas regiões. Ao mesmo tempo há em mim uma admiração enorme pela música do Brasil. Se continuarmos nessa linha de pensamento e ação acabamos por chegar a Red Hot + Rio, disco que foi um dos prazeres maiores da minha vida em todos os níveis. Conheci o Caetano Veloso, Milton Nascimento e tantos outros que eram heróis meus e grandes músicos. Mais adiante teríamos mais discos influenciados pelo Brasil. Há aqui sempre uma viagem musical, mas ao mesmo tempo estamos sempre a procurar públicos e lugares onde é preciso estarmos e nos quais há gente com quem seja preciso que falemos. Fizemos o Red Hot + Riot, um primeiro disco sobre o Fela Kuti mesmo antes de ele ter sido reconhecido como um fenómeno. Não imaginávamos que as pessoas fossem comprar música africana como aquela. Havia mais a consciência de que era importante falar daqueles assuntos numa altura em que a epidemia atingiu proporções enormes no hemisfério sul. E depois houve projetos que quisemos fazer e não se concretizaram... Sempre quis ter feito algo com música indiana, com ragas... Gostava de fazer um disco de salsa, explorando a cena de salsa de Nova Iorque... Eram assuntos interessantes... Por isso o que acontece tem a ver com oportunidades, com teimosia (porque queremos fazer)...

(continua)

Podem ver aqui o teledisco de Too Funky, de George Michael