sábado, novembro 08, 2014

LEFFEST: memórias de Garrel

Zouzou, Marie pour Mémoire (1968)
* MARIE POR MÉMOIRE (1968), de Philippe Garrel

Presente na sessão que incluiu a sua primeira curta-metragem, Les Enfants Désarccordés (1964), precedendo o mítico Marie pour Mémoire (1968), Philippe Garrel recordou os tempos de expectativa, interrogação e angústia em que ambos os títulos foram rodados — o primeiro tinha ele 16 anos; o segundo, aos 19, em finais de 1967, sob o signo das atribulações (interiores e exteriores) que viriam a encontrar inusitadas configurações em Maio 68.
Evocando a inspiração tutelar de Godard, Garrel referiu a função dos artistas como "portadores de história", por vezes, inconscientemente, "apesar de si próprios". Marie pour Mémoire é, nessa perspectiva, um objecto de estranha e fascinante anarquia narrativa, traçando, entre a sociologia paródica do casamento e a mitologia inerente à personagem de Marie (interpretada por Zouzou, que os cinéfilos identificarão, sobretudo, a partir de O Amor às Três da Tarde, rodado quatro anos mais tarde por Eric Rohmer), uma parábola iniciática sobre uma época de muitas e radicais interrogações. No seu ponto de fuga vislumbra-se, afinal, um dos temas viscerais do universo de Garrel: a redenção através da utopia da infância.
Subitamente, lembrámo-nos que já existiu um cinema, tocante mas alheio a qualquer gratificação pueril, cuja lei sabia aceitar a aspereza das mais rudimentares imperfeições. Que lei era essa? Tudo é possível.