sábado, novembro 08, 2014

A guerra de Brad Pitt (2/2)

As mais recentes reconversões narrativas da Segunda Guerra Mundial chegam, agora, a uma grande produção centrada na figura de Brad Pitt — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Outubro), com o título 'O tempo claustrofóbico'.

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Há uma cena especialmente perturbante em Fúria, de David Ayer. Passa-se numa pequena cidade alemã invadida pelas forças aliadas e tem lugar numa casa em que vivem duas jovens mulheres (uma delas interpretada por Anamaria Marinca [à direita, na imagem], a notável actriz romena que conhecemos de 4 meses, 3 Semanas e 2 Dias, título vencedor da Palma de Ouro de Cannes/2007). Quando o sargento Don (Brad Pitt) e o soldado Norman (Logan Lerman) entram de rompante nas suas instalações, é talvez inevitável que, por razões históricas e também cinematográficas, o espectador sinta que está perante uma potencial cena de violação. Aquilo que acontece, não sendo estranho a tal dispositivo dramático, ultrapassa (e muito) qualquer expectativa do género.
Ainda que sem revelar o seu desenvolvimento, vale a pena referir que a cena se vai dilatando de forma inesperada — a acção prolonga-se muito para além de qualquer duração filmicamente “normal”, instalando um sentimento contraditório, concreto e abstracto, do próprio tempo que passa. Mesmo com alguns desequilíbrios narrativos, o mais interessante do filme de David Ayer provém dessa capacidade de sugerir o desenrolar de um tempo cuja medida escapa a qualquer psicologia determinista. Dir-se-ia que a sensação de claustrofobia associada ao tanque (“Fúria”) comandado por Don contamina todos os elementos figurativos e dramáticos, a ponto de sentirmos a insólita “falta” da paisagem natural como valor essencial do clássico filme de guerra. Fúria é, de facto, o retrato de um outro tipo de paisagem, necessariamente interior e traumática, em que os tradicionais mapas (em sentido literal ou metafórico) já não possuem o também tradicional valor informativo. A única medida do tempo é aqui, literalmente, a nitidez da morte.