domingo, outubro 12, 2014

Uma ponte entre os Radiohead
e a música de Steve Reich

Ao contrário de Philip Glass, que desde inícios dos anos 80 estabeleceu várias pontes com figuras do universo da música pop/rock e suas periferias – trabalhando, entre tantos outros, com nomes como os de David Byrne, Suzanne Vega, Marisa Monte, Aphex Twin ou Leonard Cohen, tendo mesmo criado das sinfonias com álbuns de David Bowie como ponto de partida – Steve Reich não tinha até aqui experimentado esse tipo de diálogos. A sua música, é verdade, há muito que é citada entre as principais fontes de inspiração de muitos músicos de gerações mais jovens – particularmente nomes nas áreas da música electrónica -, tendo mesmo surgido em 1999 um álbum de remisturas juntando contribuições de Howie B, os Coldcut ou DJ Spooky, a que chamaram Reich Remixed (o título não deixa dúvidas, tratando-se de uma coleção de abordagens, via remistura, a composições de Steve Reich).

Mas há encontros que servem como momentos de charneira em tantas carreiras e situações. E, quando em 2010, Steve Reich viu Johnny Greenwood a atuar num festival em Cracóvia, interpretando o seu Electric Counterpoint, a ligação entre ambos estabeleceu-se, criando no compositor norte-americano o desejo de conhecer a música dos Radiohead, banda na qual Greenwood é guitarrista. Reich conhecia Greenwood pelo seu trabalho para cinema, imaginando-o um herdeiro de Messiaen. A obra dos Radiohead chegou assim como uma descoberta. E dessa experiência nasceu o estímulo que mais tarde, sob encomenda do coletivo Alarm Will Sound, gerou um trabalho de “rescrita” de duas canções do grupo inglês: Everything in it’s Right Place, do álbum de 2000 Kid A e Jigsaw Falling Into Place, de In Rainbows, de 2007. Radio Rewrite é assim um exercício de descoberta de uma voz com uma personalidade clara (e uma sonoridade claramente ligada a um certo conjunto de instrumentos, que aqui convoca) sobre os caminhos possíveis de encontrar através de duas canções de berço pop/rock. Ecos das canções, sobretudo elementos das linhas melódicas renascem assim diluídas num corpo novo, surpreendente, com aquele valor de soma de experiências que podemos imaginar segundo a velha máxima que diz que quem conta acrescenta um ponto. E mesmo sendo aqui e ali claras as raízes desta “rescrita”, no fim estamos claramente em território Reichiano.

O álbum agora editado, no qual os Alarm Will Sound registam a estreia em disco de Radio Rewrite, junta ainda uma interpretação de Johnny Greenwood de Electric Counterpoint e uma de Piano Counterpoint por Vicky Shaw, do coletivo Bang on a Can All Stars. O ciclo “counterpoint” surgiu sob uma ideia de juntar um solista a faixas pré-gravadas, multiplicando assim a sua presenta no corpo musical da peça. Electric Counterpoint teve na origem uma leitura por Pat Metheney e teve estreia em disco em 1989. Já Piano Counterpoint não é senão uma transcrição de Six Pianos, apresentando pré-gravadas quatro das partituras para piano, juntando a quinta e sexta numa só, que se entrega assim a um virtuoso do piano. Convenhamos que em conjunto o disco nos dá interessantes olhares sobre a música de Reich e, entre Radio Rewrite e Electric Counterpoint fixa uma ponte para com a música e os músicos dos Radiohead. Será ponte a continuara explorar?