Este artigo foi originalmente publicado na edição de 11 de outubro do DN com o título 'Os trinta anos da banda que foi diferente entre as diferentes'.
Depois de normalizada a vida política e de criada uma cultura jovem no Portugal de inícios dos anos 80, o passo seguinte para muitos foi o que procurou aprofundar o gosto pela busca de novos desafios, estimulando a criatividade para além dos limites normativos. Da música à moda, a Lisboa de então acolheu novos vultos e ideias. Diferentes entre os diferentes os Pop Dell’Arte surgiram em inícios de 1985 com o (mítico) Concurso de Música Moderna do Rock Rendez Vous na mira dos seus primeiros objetivos. Não ganharam, mas saíram de lá com o Prémio de Originalidade. Troféu justo, brindando logo à nascença uma banda que desde então traçou um percurso único, sem comparação a mais nenhuma banda deste e do outro lado das fronteiras. São os Pop Dell’Arte, está tudo dito. E quase 30 anos depois, são uma força ainda viva, tendo assinalado com a passagem pelo palco do Sabotage Club, em Lisboa, no passado dia 10, uma noite que assim abre um ano que justifica esta e outras abordagens à sua obra.
O ponto de partida para a música dos Pop Dell’Arte foi, pela ordem instrumental e pelo universo em que se afirmaram, o espaço que genericamente se descreve como o pop/rock alternativo. Mas desde cedo outros estímulos e influências – da literatura e artes plásticas à própria música – incentivaram a procura de outros caminhos. Heranças de visões de Braque e Picasso sobre a colagem (em inícios do século XX), a ideia do ready made de Duchamp e a pop art de Warhol foram apenas alguns entre os muitos dados que o grupo levou às suas composições, imagens e concertos. Assim se definiram temas icónicos como Sonhos Pop ou Illogic Plastik, esse álbum de estreia absolutamente visionário que foi Free Pop (editado em 1987) e, toda uma restante discografia que, muito espaçada no tempo, inclui ainda os álbuns Ready Made (1992), Sex Symbol (1995) e Contra Mundum (2010), além de vários máxis e EPs – entre os quais o belíssimo So Goodnight (2002) e duas antologias.
Passo determinante na afirmação não apenas da personalidade única dos Pop Dell’Arte mas de um espaço próprio no panorama da música portuguesa de meados dos oitentas, numa altura em que uma nova cultura alternativa emergia, foi o surgimento da editora independente Ama Romanta, que assegurou o lançamento dos primeiros títulos da obra do grupo, a eles juntando outros que ajudaram a dar forma a uma geração que procurava, de uma genética comum, partir rumo a horizontes desconhecidos, fugindo a sete pés de mimetismos ou seguidismos. Ser ousado, ser diferente era a norma. E juntamente com nomes seus contemporâneos como os Mler Ife Dada ou Mão Morta, os Pop Dell’Arte fizeram a diferença.
A obra dos Pop Dell’Arte passou por várias etapas, cada qual atenta a novos estímulos e surgindo em contextos distintos. Mas sempre não alinhada. Houve assimilações da cultura rave nos anos 90. Houve uma breve passagem por uma multinacional (a Universal, onde editaram um álbum em 1995). Houve problemas pessoais e pausas. Mas sempre que regressam revelam uma rara capacidade em juntar novas gerações que deles tinham ouvido falar aos velhos admiradores que nunca os abandonaram.
Há alguns anos, numa entrevista para o DN, João Peste dizia-me que sabia que o projeto da Ama Romanta estava condenado à partida, porque começavam “com uma situação em défice”. Essa consciência fez com que ali nunca procurassem o negócio, o lucro. Mantiveram assim intacta a atitude e, como ele mesmo descreveu, uma certa “pureza de intenções”. O álbum de estreia dos Velvet Underground, por exemplo, foi um fracasso nas vendas em 1967. É verdade que deixaram mais evidente descendência. Mas, como os Pop Dell’Arte, cruzaram universos e aproximaram a noção de arte ao espaço da cultura pop/rock.
Com João Peste agora e sempre como a sua voz e mais visível rosto, os Pop Dell’Arte são hoje, além dele, Paulo Monteiro (guitarras), Zé Pedro Moura (baixo), Nuno Castedo (bateria) e Eduardo Vinhas (teclados, percussão e electrónicas). Trinta anos depois, e com várias formações pelo meio, estão vivos e recomendam-se. E agora, como sempre, arriba avanti!