O conceito de remistura (como o usa hoje a indústria musical) floresceu nos anos 70 em plena era de afirmação do
disco sound como força marcante no panorama da música de então, acompanhando desde cedo a entrada em cena de um novo formato discográfico: o máxi-single (de doze polegadas, ou seja, com um diâmetro idêntico ao do LP) no qual começaram então a surgir versões longas criadas para a pista de dança. As remisturas, que alongavam e, aos poucos, começaram a transformar os temas que tomavam como matéria prima, ganharam expressão bem visível nos anos 80, com o tempo sendo rara a edição em single nas áreas da pop,
rhythm’n’blues, hip hop e naturalmente da música de dança que não serviam a versão máxi com uma ou mais remisturas... A (re)descoberta do jazz por figuras do
acid jazz, rare groove, soul e
jazz hip hop (entre outros caminhos) na alvorada dos anos 90 transportou o conceito para as periferias do género. Mais dia menos dia a música clássica lá chegaria. Assim foi. Nomes como Philip Glass e Steve Reich – tomados como referência para novas gerações de criadores de música electrónica – foram dos primeiros a lançar álbuns de remisturas através das quais fragmentos de obras suas conheciam novas abordagens sob pontos de vista levantados por novas formas de entender, no presente, a carga das suas heranças. Mais recentemente a editora Deutsche Grammophon abriu no seu catálogo um espaço para que músicos vindos dos espaços das novas electrónicas e da música de dança – como Moritz Von Oswald, Carl Craig ou Herbert, entre outros – pudessem operar transformações a partir de gravações do seu catálogo de música orquestral. Assim nasceu a série re-composed, onde do conceito de remistura nascia uma abordagem ainda mais profunda ao nível da estruturação da obra que, com um ponto de partida numa gravação de uma obra “clássica”, acabava por nos apresentar uma nova visão: a tal “re-composição”. Um dos nomes chamados a colaborar nesta série foi o alemão
Max Richter, que resolveu operar uma transformação sobre as
Quatro Estações de Vivaldi a um nível de partitura. Diferente, portanto, do cruzamento com técnicas e formas habituais na música electrónica contemporânea que até aqui estavam a caracterizar muitas das edições desta série.
Max Richter é contudo agora coprotagonista num trabalho mais “canónico” de remistura. Com obra a solo que remonta a 2001, em muitos dos seus discos tendo já cruzado a presença da orquestra com a das electrónicas, Max Richter viu recentemente o tema
Berlin By Overnight, do seu álbum
24 Postcards in Full Color (de 2008) ser incluído por
Daniel Hope no alinhamento de
Spheres. Agora, esse tema é tomado como material de trabalho para quatro remisturas, que assim promovem mais uma série de encontros e diálogos, contribuindo para o talhar de uma ideia do que pode ser a música do século XXI como espaço onde tudo pode confluir e onde todas as vozes se podem entender.
As abordagens vão dos espaços mais próximos do tecno minimal na leitura de Efdemin (Alemanha) às explorações minimalistas da “voz” do violino por CFDF (Canadá), onde sentimos uma presença das lições de Steve Reich, passando por um espaço de partilha entre estes dois terrenos na faixa assinada por Lorna Dune (presentemente em Nova Iorque), terminando o alinhamento na proposta mais “transformadora” do britânico Tom Adams, compositor, multi-instrumentista e autor de canções, que junta uma presença vocal e traça uma noção de cenografia orquestral mais elaborada, sem perder nunca de vista o ponto de partida (que de resto o disco inclui, logo como faixa de abertura). SE dívidas houvesse da boa relação da música orquestral com o conceito de remistura, este disco arruma-as (e bem).