Espantoso actor: Michael Fassbender está sempre in character, mesmo quando tem o rosto escondido por uma cabeça de cartão — este texto integrava um dossier sobre o filme Frank, publicado no Diário de Notícias (12 Outubro).
[ 1 ]
As qualidades do trabalho de um actor ou uma actriz não se medem, obviamente, pela mera transfiguração física. Ou seja: não é por ter engordado mais de 25 quilos para interpretar Jake La Motta em O Touro Enraivecido (Martin Scorsese, 1980) que Robert De Niro é genial — a excelência dos resultados resulta do facto de tal risco estar ao serviço, não de um simples “boneco”, mas da construção de uma personagem. Há até exemplos de transfiguração que nascem, não apenas de uma alteração física, mas de um metódico processo de ocultação — lembremos o caso de John Hurt em O Homem Elefante (David Lynch, 1980): com a sua “máscara” deformada, a expressão facial do actor está, por assim dizer, para além dos códigos correntes do visível.
Acontece algo de semelhante com Michael Fassbender como protagonista de Frank, o belíssimo, delicado e comovente filme de Larry Abrahamson. Ao interpretar a figura de um músico, solitário e esotérico, que usa permanentemente uma cabeça postiça (há uma breve cena em que o vemos a tomar duche, com um saco de plástico por cima da sua cabeça de cartão...), Fassbender aceita o desafio extremo de compor uma personagem em que a linguagem corporal, mais do que um suplemento de comunicação, constitui o núcleo vital dessa mesma comunicação.
Há, por isso, um suspense bizarro que se instala: quando é que Frank vai retirar a sua máscara? Em todo o caso, Abrahamson não trata tal possibilidade como a chave seja do que for. O seu filme não é sobre a “boa” maneira de comunicar, mas sim sobre o facto de qualquer linguagem comunicacional nascer de um misto de transparência e ocultação, segredo e revelação. Ficamos a saber, assim, que a verdade do factor humano é feita de carne, osso e cartão — ainda há filmes que nos ensinam os enigmas da pele.