GOTTFRIED HELNWEIN The Golden Age 2 (Marilyn Manson) 2003 |
Como é que se debate política em televisão? Ou melhor: que conceito de política triunfa através dos debates televisivos? — esta crónica de televisão foi publicada na revista "Notícias TV", do Diário de Notícias (3 Outubro), com o título 'A democracia dos debates'.
1. É óbvio que a noção de debate constitui um elemento fulcral de qualquer televisão democrática: a inscrição do espaço televisivo na dinâmica democrática de uma sociedade faz-se também através da sua capacidade para criar, gerir e enriquecer espaços de confronto de ideias. Em todo o caso, no funcionamento desse dispositivo, o essencial não estará tanto nas ideias que cada interveniente, melhor ou pior, saiba sustentar, mas sim no referido confronto.
FOTO: Lisa Soares / DN |
2. Porque é que, de um modo geral, as televisões tendem a minimizar a energia dos confrontos, preferindo antes promover o infantilismo dos conflitos? Há o exemplo do futebol, em que um fora de jogo mal assinalado pode ser pretexto para as mais delirantes formas de purificação moral. Mas há também a política, com a sua formatação antecipada de qualquer campo de diálogo. Viu-se, uma vez mais, com os debates entre António Costa e António José Seguro. Cada um veio cumprir a função de marioneta do seu próprio discurso, limitando-se a criar as condições para aquilo que a televisão mais gosta: um “vencedor” envolvido em muitas bandeiras e um “vencido” a assumir a derrota com dignidade (tal como no futebol, aliás, onde, aparentemente, é preciso perder de forma contundente para que seja invocada a dignidade de uma equipa).
3. Tudo isto, para além do impensado político e mediático que envolve, decorre também de um factor banalmente pragmático: escasseando os meios financeiros de produção, ou não havendo coragem para os investir de forma inovadora, é sempre mais fácil (leia-se: mais barato) sentar meia dúzia de pessoas em volta de uma mesa e esperar que, em algum momento, alguma ofenda outra... Da faísca que se produz nasce um fogo que ninguém apaga. Porque esse fogo, ou melhor, a agitação das labaredas de coisa nenhuma passou a ser a própria matriz de debate que se oferece aos espectadores. É legítimo perguntar se, em nome do respeito pelas diferenças, a democracia televisiva está condenada a ser um funeral da imaginação.