quarta-feira, setembro 10, 2014

Um reencontro com 'West Side Story' (2)


O maestro Michael Tilson Thomas apresenta, com a San Francisco Symphony, a primeira gravação da totalidade da música de ‘West Side Story’ feita num palco fora de uma produção teatral. Tal como o fizera Bernstein por ocasião da sua estreia em 1957, procurou nas vozes de atores cantores parte da alma que faz desta obra um caso ímpar de relacionamento entre várias referências. Este texto é parte de um artigo publicado na edição de 30 de agosto do suplemento Q. do DN com o título Um novo episódio na vida de ‘West Side Story’. 

As ideias fundadoras de West Side Story surgiram ainda em finais dos anos 40. O coreógrafo Jerome Robbins desafiara Leonard Bernstein para que, juntos, pensassem uma versão atualizada da história de Romeu e Julieta, situando-a em bairros degradados de Nova Iorque. E desde logo chamam Arthur Laurens para trabalhar um argumento. Mas a carreira de Bernstein como maestro toma então dianteira sobre o seu trabalho como compositor e a ideia fica adiada por uns anos até que, em 1955, uma notícia lida num jornal reanima o projeto. Publicada pelo Los Angeles Times, a notícia referia um caso de violência entre gangues rivais em San Bernardino, do qual resultara um morto. Estava ali o ponto de partida para uma história que ia levar a delinquência juvenil aos palcos do teatro. No outono de 1956, Stephen Sondheim é chamado para escrever as letras das canções. E no Inverno de 57 Bernstein está focado na composição.

“A equipa criativa estava à procura de algo que tivesse um tema universal. E não foi certamente a primeira vez que algo assim foi feito”, comenta Tilson Thomas, agora que chega a disco a sua abordagem ao musical. “West Side Story vem na tradição de espetáculos como Show Boat ou Porgy & Bess ou South Pacific – outras obras que abordaram questões sociais relevantes e controversas. Gosto de pensar que esta é uma tradição que remonta ao teatro Yiddish, cheio de risos mas que também tocava questões sociais e políticas. West Side Story não é uma paródia como Of Thee I Sing ou Let’Em Eat Cake dos Gershwin, que abordam questões sérias de um modo slapstick”, refere na entrevista que acompanha a edição do novo disco.

Numa série de textos e palestras que apresentou nos primeiros anos da década de 50, Bernstein refletira sobre o desenvolvimento das sensibilidades estéticas e intelectuais do público norte-americano. Num deles defendeu a busca de novas formas de expressão do teatro musical (em Whatever Happened to That Great American Symphony?, em 1954) como algo que iria substituir a sinfonia. Talvez se tenha equivocado quanto ao fim da sinfonia, já que obras posteriores de compositores como Philip Glass, John Adams, Arvo Pärt ou Henryk Gorécki deram claras provas contrárias. Mas sobre o desenvolvimento do teatro musical refletiu novamente em American Musical Comedy (Omnibus, 1956), texto em que “insistiu na importância de obras que integrassem as formas artísticas vernaculares norte-americanas” com “sequências musicais alargadas, contraponto e orquestração”. Para Bernstein o novo teatro musical “teria o seu lugar ao lado da revista e da comédia musical, da opereta e da grande ópera, combinando elementos de cada uma sem se restringir aos seus modelos”. (5)

West Side Story parece corresponder a uma materialização desta linha de pensamento. Bernstein juntou à sua formação clássica uma sensibilidade pelo discurso rítmico latino-americano, ecos do jazz e criou o que Barry Seldes descreve em Leonard Bernstein – A Intervenção Cívica de Um Músico Americano como uma “partitura norte-americana verdadeiramente urbana”. Neste seu estudo biográfico sobre Bernstein o autor aponta em West Side Story “o revezamento do jargão de rua com um misto da linguagem da chalaça e da injúria; as jovens porto-riquenhas cantando as grandes contradições da sociedade norte-americana; a euforia e depois o desespero dos namorados perseguidos pelo azar e condenados à infelicidade”, elementos que, diz, se juntam aos “gestos soltos de Robbins para elevar o nível do teatro norte-americano”.

(5) in Leonard Bernstein – A Intervenção Cívica de Um Músico Americano, de Barry Seldes (Bizâncio, 2010), pág. 103.