Através do cinema descobrimos David Lynch e, com os seus filmes, uma voz absolutamente ímpar, que se projetou em títulos marcantes como o foram, por exemplo, Veludo Azul, Mulholland Drive ou Coração Selvagem, sem esquecer a série televisiva Twin Peaks, um dos momentos maiores do seu trabalho ou o muitas vezes injustamente secundarizado Dune, instante atípico na sua obra, mas um dos grandes exemplos da melhor ficção científica dos oitentas. Mas depois de Inland Empire o foco das suas atenções mudou de rumo, destacando sobretudo um interesse pela música e uma redescoberta de uma paixão antiga: a pintura.
E a assinalar esse reencontro fundador da sua personalidade artística, a Pennsylvania Academy of The Fine Arts, em Filadélfia, inaugura hoje ‘David Lynch: The Unified Field’, aquela que é a primeira grande exposição da obra de Lynch enquanto artista plástico.
Interessado na pintura desde cedo, um muito jovem David Lynch (então com 18 anos) inscreveu-se na School of The Museum of Fine Arts, em Boston com um futuro em vista nessa área. O lugar não o inspirou e saiu ao fim de um ano. Projetou com um amigo uma viagem de três anos pela Europa, com o sonho de estudar com o pintor austríaco Oskar Kokoshka. Com o sonho não concretizado regressou aos EUA, acabando por fazer a sua formação na Pennsylvania Academy of The Fine Arts, à qual se juntou em 1967. Seria ali que, em 1967, faria Six Men Getting Sick (Six Times), uma curta-metragem que se tornaria assim o primeiro passo da sua filmografia.
Num ensaio sobre a obra de David Lynch na pintura, que podemos ler no catálogo desta exposição, o seu curador, Roberto Cozzolino defende que estamos ali perante um artista que usou o cinema como parte da sua expressão. E por isso mesmo vê assim a sua obra cinematográfica como um corpo que se torna inseparável deste trabalho como artista plástico que agora ali está patente. Cozzolino fala mesmo dos filmes e pinturas como sendo obras que decorrem de uma sensibilidade comum e muito pessoal "sobre noções de composição, textura, relações formais" e nota no modo como os temas são amplificados a expressão de um estilo específico.
Lynch em foto recente no seu atelier |
A pintura foi, todavia, a paixão original de David Lynch. Uma paixão que nunca abandonou, apesar de ter levado muito tempo a torna-la pública. A sua primeira exposição individual teve lugar em Nova Iorque em 1989, na galeria de Leo Caselli, que tomou contacto com esta faceta da obra de Lynch através do entusiasmo com que Isabella Rosellini (que vimos em Veludo Azul) falara desses trabalhos a um amigo comum. Mesmo assim o cinema e, mais tarde, a música, prevaleceram como as suas expressões artísticas mais mediatizadas.
Num artigo recentemente publicado pelo New York Times o diretor do Drawing Centre (Nova Iorque) – que em 2013 organizou uma pequena mostra de desenhos e fotografias de Lynch em Los Angeles – reconhece que, através dos seus filmes, o autor de Mulholland Drive e Twin Peaks mudou a forma de pensar a cultura visual nos EUA, acrescentando que a sua obra como artista plástico “merece ser vista”. No mesmo artigo David Lynch referiu que vive neste momento um período de transição, deixando claro que o que era velho “morreu”. E explicou depois que é no experimentar de novas ideias que poderá vir a encontrar o que será novo para si.