Luís Miguel Cintra em O VELHO DO RESTELO |
O cinema português está a ter um momento de grande exposição pública: depois das estreias de E Agora? Lembra-me, de Joaquim Pinto, e Os Maias, de João Botelho, nas próximas semanas surgirão Alentejo, Alentejo, de Sérgio Tréfaut, e Os Gatos Não Têm Vertigens, de António-Pedro Vasconcelos. E há mais uma série de títulos a aparecer até ao final do ano — este comentário surgiu inserido num dossier sobre essas estreias, publicado no Diário de Notícias (9 Setembro), com o título 'O passado e o presente'.
Manoel de Oliveira comemora o seu 106º aniversário a 11 de Dezembro. Nesse mesmo dia, o seu mais recente filme, O Velho do Restelo, produzido por O Som e a Fúria, será estreado pela Midas Filmes, no cinema Ideal (e noutras salas do país), num programa que vai reunir mais três curtas-metragens de Oliveira: Douro, Faina Fluvial (1931), O Pintor e a Cidade (1956), e Painéis de São Vicente de Fora – Visão Poética (2010).
O facto envolve um simbolismo exemplar. E não apenas porque O Velho do Restelo é uma pequena pérola de inteligência, recheada da ironia de um cineasta que se “atreve” a colocar em cena Luís de Camões, Teixeira de Pascoaes, Camilo Castelo Branco e... Dom Quixote para relançar um tema visceral: a questão da identidade portuguesa e suas dramáticas atribulações, entre a crueza descarnada da história e os apelos da utopia. Importa acrescentar que não há nenhuma forma de existência do cinema português que possa prescindir de ziguezagues deste género, num jogo de sobreposições e rupturas que aproximem passado e presente — será preciso lembrar que um dos mais subtis exercícios de cinema de Oliveira, lançado em 1972, dá pelo nome de O Passado e o Presente?
O panorama de estreias portuguesas dos próximos meses é, no mínimo, invulgar. A sua pluralidade deixa a antecipada certeza de que há uma energia criativa que não pode ser menosprezada. Os filmes, claro, serão “melhores ou “piores”... Mas qual é o problema? A selecção de Paulo Bento é o desastre que se sabe e há quem continue alegremente a proclamar que temos o melhor futebol do mundo... Não precisamos de unanimidades, mas sim do básico reconhecimento de que o cinema pode existir para além do marasmo das telenovelas. Os filmes andam por aí — convidam-nos a sentir e pensar com eles.