quarta-feira, setembro 17, 2014

Em conversa: Ron Peck


Importante pioneiro na criação de uma cinematografia queer britânica, Ron Peck é um dos nomes em foco na edição deste ano do Queer Lisboa. A sua presença na programação desta edição do Queer Lisboa faz-se também através daquela que é a segunda exibição mundial (ou seja a estreia europeia continental) de Will You Dance With Me?, de Derek Jarman, filme que nasceu de uma fita em vídeo que o autor de Caravaggio e Sebastienne rodou no mítico Benjy's, de Londres (e que teve estreia mundial na edição deste ano do BFI Flare. Antes de um contacto pessoal com o realizador, que estará em Lisboa para apresentar alguns dos títulos desta retrospetiva, fica uma entrevista na qual percorre, entre memórias, os seis filmes que o festival vai exibir.

Nighthawks foi a primeira longa metragem inglesa com temática gay. Que impacte teve o filme na sociedade e cultura britânica da época?O filme foi notado e recebeu muita atenção da imprensa porque deu uma nova visibilidade ao tema. Também encontrou um grande público tanto a nível nacional como internacional e todo o tipo de controvérsias apareceram à sua volta, o que lhe deu até maior longevidade nas salas de cinema. Por exemplo, o filme dividiu o público gay por concentrar atenções na cena cruising, nos bares e clubes. Havia quem quisesse uma história de amor mais convencional com um final feliz. Outros queriam ver uma cena gay alternativa. Mas outro dos aspetos muito discutido na época foi o uso de atores não profissionais e a presença da improvisação. A melhor reação foi que o filme levou as pessoas a falar e a discutir, tanto defendendo-o como atacando-o. Abriu as temáticas gay um pouco a um público bem maior.

De que forma o quadro de Edward Hopper – Nighthawks (de 1942) – foi uma influência para o filme?
Descobri a pintura de Hopper na mesma altura em que regressava a Londres após alguns anos vividos fora, na universidade. Foi na altura em que fui para a London Film School. Foi também por essa altura que descobri a cena gay londrina – por acaso – e inicialmente achei difícil lidar com isso. Era um jovem tímido. As pinturas de Hopper, como expressões, correspondem muito de perto face ao que eu sentia sobre os ambientes em que vivia. Um bar gay pode estar apinhado como uma estação de metro em hora de ponta mas podemos sentirmo-nos tremendamente isolados lá dentro. O Nighthawks do Hopper captou para mim o clima, a essência da coisa.

Foi ao preparar a rodagem de Empire State que uma noite na discoteca Benjy’s acabou por ser filmada por Derek Jarman. Essas ideias por ele captadas foram de facto úteis para a rodagem do filme?
Teriam sido úteis na concepção inicial do filme. O trabalho do Derek mostra essencialmente o que um homem pode soltar com uma simples câmara. Está muito mais perto do espírito do Nighthawks e, claro, do trabalho do Derek em Super-8 muito particularmente. É cinema livre no maior sentido da palavra. O Empire State, com o seu financiamento mainstream, teve se ser feito em moldes bem diferentes.

Aquelas imagens captadas por Derek Jarman ficaram ali guardadas anos a fio. Como regressou a elas e como é que delas depois nasceu o filme Will You Dance With Me?
Nunca me tinha esquecido daquela cassete do Derek. Com toda a publicidade em volta dos acontecimentos e projeções deste ano, assinalando os 20 anos da morte do Derek, voltei a ver a cassete, mas na companhia de outros amigos realizadores e eles ficaram espantados. Por isso mostrei-a depois ao Brian Robinson no BFI e ele programou-o imediatamente para o auditório do BFI onde decorria tanto o festival de cinema London Flare como uma retrospetiva do trabalho do Derek. Foi um exercício, uma experiência, e naturalmente não tinha titulo. E porque a dada altura o Derek pergunta a alguém para dançar com ele no filme, e como toda a peça anda à volta dele a filmar a dança, o título Will You Dance With Me? pareceu-me apropriado.

Podem ler aqui a entrevista completa

O festival vai apresentar uma retrospetiva com seis dos seus filmes, entre os quais o histórico Nighthawks (1978), a primeira longa metragem de ficção britânica com temática gay. A retrospetiva junta a este filme as longas de ficção Empire State, (1987) Real Money (1996) e Cross Channel (2011) e os documentários Strip Jack Naked (1991) e Fighters(1996).

A abertura do ciclo faz-se sábado, dia 20, pelas 19.15, na sala 3 do Cinema São Jorge com uma exibição de Nighthawks que contará com a presença em sala do realizador.

A imagem que abre o post é do filme 'Cross Channel