domingo, agosto 03, 2014

Notas de viagem:
Um queque em Banguecoque

Fotos: NG
Uma ideia nova a partir de hoje no Sound + Vision. Histórias e imagens de viagens. E para começar a memória de uma tarde na capital tailandesa em que, ao lanche, foram servidos... queques. Sim, queques. 

O barco é, por vezes, a melhor solução para andar mais depressa em Banguecoque, naturalmente se os lugares de partida e destino estiverem à beira-rio. O rio Chao Phraya, que nasce no centro do país e passa por Ayutthaya (a antiga capital, à qual os portugueses chegaram há pouco mais de 500 anos como primeiros visitantes), define assim uma espécie de grande avenida de água ao longo da qual Banguecoque cresceu, nas suas margens morando hoje alguns dos mais célebres e concorridos hotéis do centro da capital tailandesa.
Naquela tarde rumava contudo um pouco mais a montante da zona onde se acotovelam os hotéis. Um pequeno cais, com um edifício de formas bem familiares para um europeu ali bem perto, indicavam que tínhamos chegado. Lá de dentro ouviam-se cânticos, também eles familiares na musicalidade, as diferenças (prestando atenção um pouco depois) morando nas palavras que o coro entoava.
O edifício era o de uma igreja – construída há 240 anos por um arquiteto italiano a mando de um padre português -, o centro da pequena comunidade de Santa Cruz que alberga cerca de 900 cristãos e almas de outras confissões perto do coração de uma cidade predominantemente budista. E naquela manhã celebrava-se ali um casamento. Ele, Kowit, um tailandês de 39 anos. Ela, Pham Ti, uma vietnamita cristã de 20. Portas abertas deixavam ver e ouvir o que se passava. O episódio seguinte adivinhava-se no adro da igreja, onde entre saquetas de chá e garrafas de refrigerantes havia bolos de mármore e de banana.
A pequena comunidade não está ali por obra do acaso, mas sim por via de um terreno cedido pelo rei tailandês quando a capital se instalou em Bangkok no século XVIII. A relação entre os dois povos remonta ao século XVI, tendo então assinado um acordo militar e uma autorização de residência e livre prática da sua religião. Com capital instalada em Banguecoque depois da guerra que destruiu Ayutthaya, o rei Taksin concedeu aos portugueses o terreno onde hoje está esta comunidade por ocasião de uma visita que ali fez em 1764.
Contornada de pequenas casas e pequenas ruas que dela irradiam (salvo na frente de rio onde há um cais), a igreja define o centro de uma comunidade onde há uma escola (com as palavras Santa Cruz bem evidentes sobre a porta) e as heranças portuguesas se materializam também numa pequena fábrica de bolos que encontramos nas suas traseiras.  
Queques... Um homem de ascendência portuguesa, com 48 anos, conta que o seu irmão chegou uma vez a ir a Lisboa, onde provou e comparou esses outros queques de que ouvira falar. Os de Banguecoque são uns descendentes, com um sabor mais açucarado (lembram as cavacas das Caldas) e uma textura que parece a do Pão de Ló. A maior originalidade são as passas de uva...

Comecei a entender porque os tailandeses que ia conhecendo falavam tantas vezes de doçaria quando se referiam aos portugueses. Tinham mencionado, com particular orgulho, de um outro descendente, os foi thong, nada mais senão descendentes diretos dos fios de ovos (que monges portugueses terão levado para aquelas latitudes há alguns séculos) e que, de diferente face aos que aqui conhecemos têm uma presença do jasmim no tempero. Mas essa história fica para um outro dia...


Na imagem que abre o posto vemos Santi, um dos líderes daquela comunidade na capital tailandesa, mostrando um dos queques que ali são diariamente produzidos. Nas três imagens mais abaixo vemos a Igreja de Santa Cruz, espreitamos o casamento que ali decorria e olhamos em volta para ver o bairro em redor da igreja.